6.7.15

Mariazita ou Nequinha

Casualmente encontrei esta linda imagem, tipo as que fizeram parte da minha infância... Como eu achava lindas aquelas caboclas, seus escuros cabelos carregando as ondas. Sobrancelhas vivas casando com o contorno tímidos dos lábios.
Um delicado par de brinquinhos em ouro, comprados da cigana como único ornamento em metal. E o lenço à espreita, louco prá pular naquele crânio festivo que só. 
Lá no quartinho dos fundos, um rosário dependurado no pau da cama, pras rezas costumeiras. O alvo lençol todo bordadinho, coarado na pedra, feito de sacas de farinha, com os dizeres: "Anaconda"!
A tramelinha da janela se abria pro cavaleiro, num olhar de meia-cara, mostrando-se sem expor, num fingimentinho quase ingênuo: Cá estou, contudo não em solteirice desesperada...
Na cozinha o feijão. Sempre o feijão. Três horas de cozimento. Feijão novo, deixado de molho - em resultado, um cremoso caldo à banha de porco, cheirando a alho e cebolinha. Todo defumado pelo fogão à lenha. Me vem o odor de jamais... jamais...
A melancolia vinha sim, vinha com o fim da tarde de domingo, domingo de jogo, jogo de bola. Aquilo era a essência do futebol raiz: Esporte, lazer, disputa, afirmação. A brincadeira mais séria, onde um jogo de camisas durava décadas. Tinha que durar. Um picolé servia três. Tinha que servir.
Vestidinhos feitos em casa, lavados na bica d'água com sabão de cinzas, secos na cerca de arame sob a brisa suave e floral, passados a ferro de brasa - cheios de personalidade.
Embaixo, as decentes calcinhas de "frozinha" também feitas em casa, tão ricamente adornadas com biquinhos em crochê.
Corpo com cheiro de rio, feromônios. Odor de gente do mato, gente primordial - rústica, só maquiada pela poeira do terreiro num soprar de vento. Ao domar o cabelo em tranças, prende-se com fina imbira de bananeira num nozinho bem discreto.
Hoje as crianças plastificadas vivem num zoo urbano, tão artificialmente domadas, estéricas. Nunca viram a lama fresca subir entre os dedinhos nus. Nunca sentiram a  travessa goteira na pele morna. Nunca rastrearam o som natural do violão serpenteando a centenas de metros. 
Nunca pularam soltas e livres de adultos, de fazenda em fazenda; nunca rolaram pasto abaixo na grama fofa com odor de vida; nunca mataram a sede embaixo de uma limeira, sorvendo, sorvendo o líquido amarguinho e único daquele citrus exótico. 
Nunca viram um bicho parindo, um bicho mamando, um bicho caçando, um bicho sendo caça. Nunca viram a grandeza da vida nas pequeninas coisas da roça, num bicho ferido contanto apenas consigo para tudo e para o nada. 
E o que é humanidade?        Imagem

8 comentários:

  1. Oi, Cristina!
    Conheci o João Rural, como culinarista e tenho dois livros dele. Ele tem um blogue - ou tinha. Está ativo mas ele faleceu no começo do ano. Você vai gostar imenso do blogue, onde ele explica a origem de muitos pratos - era um pesquisador da cozinha caipira. De certa forma, seu blogue e o dele são irmãos.
    http://www.picuadeprosa.blogspot.com.br
    A imagem me fez lembrar de Sônia Braga em "Gabriela, cravo e canela" e também dos "cortiços" tão presentes na literatura.
    :)
    As crianças... Tenho a certeza de que só sentimos falta daquilo que tivemos. As crianças de hoje nem sabem o que é andar descalço pela rua.
    “Se eu pudesse voltar a viver,
    começaria a andar descalço no começo da primavera
    e continuaria assim até o fim do outono”.
    >> Nadine Stair
    :)
    Boa semana!
    Beijus,

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    1. Eu li sobre João Rural quando fazia pesquisas sobre o Vale do Paraíba. Ele fez deixa um excelente legado culinário.
      Caipirice é comigo mesmo. Visitei muitas casinhas rurais na infância e a cena me abduziu.
      Todo domingo à tarde ando descalça na pista aqui da esquina. É terapêutico - libera toxinas eletromagnéticas e incorpora íons negativos.
      Quanto às crianças, deveria ser obrigatório casa com quintal para quem pretende parir!
      Exagero - porém as creches deveriam ter área verde enorme como essa aqui quase ao lado de casa.
      Mesmo aqui no interior, as crianças estão perdendo o contato com o mato, crescem desabituadas a insetos, cheiros rurais, sons mateiros.

      Semana tranquila procê também!
      Beijão

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  2. ~~~
    ~ Fico tonta com as tuas apreciações!!!
    ~ Então, isto é uma imagem bonita?!!!

    ~ Só pela saia curta,
    eu percebo que não se trata de uma foto do sec XVI...
    ~ Extrapolas com uma facilidade!!!

    ~ É certo que nas cidades, há quem exista sem qualidade de vida,
    mas a solução não é voltar à idade das cavernas!!!

    ~ A maior parte da solução, está na educação, que não se devia
    restringir às escolas.
    ~ Os meios de comunicação podiam contribuir, ao invés de passarem a dieta da sopa, da banana, do ovo, etc, etc...
    O suco disto, daquilo e 'daqueloutro'.




    ~ Então, começou o teu recesso...
    ~ Quando há dias me falaste em Santa Luzia, eu pensei enviar-te
    um filme do Youtube. Sei que vais gostar de ver, como eu gostei.
    Muito. Tens de ter uma caixa de lenços à mão...
    ~ O filme foi feito por um brasileiro em Siracusa, Sicília, Itália.
    ~ Mando-te o link para o ''e.mail''.

    ~~~ Grande abraço, amiga. ~~~
    ~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~

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  3. Olá, Majo!
    Estou num recesso curto, passeando pelas imediações! Vou salvar o link sobre a Santinha.

    A imagem é linda, poética, e retrata as imensas fazendas que existiam outrora por esses interiores do Brasil - quase feudos.
    Aos olhos europeus pode parecer pobre, todavia era de uma riqueza cultural tremenda: Festividades religiosas não faltavam.
    Vivia-se sem acumular plástico, sem denegrir a natureza, alimentando-se naturalmente - uma alimentação praticamente toda retirada da propriedade rural. Não tinham medo do sol.
    Ao final do dia, reuniam-se nalgum local denominado "gamela" e proseavam junto a um bule de café, a tomar banho de lua com sereno...
    Não havia individualismo, solidão, estresse, depressão, dívidas, fome, desestruturação familiar, drogas. O que era de um, era também de todos.
    Eita sertão "bão" de meu Deus que perdeu-se na "incruziada" do tempo!


    Abreijos saudosistas

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  4. ~~~
    ~ As saudades fazem esquecer as enormes privações como,
    por exemplo, ficar a sonhar com o mundo, quando passavam
    os vagões do minério, ou querer ser secretária para ajudar a
    família, quando ouvias a tal canção que não percebias...

    ~ Segundo percebi, a tua família está toda em S, João e não
    resta ninguém no sítio... A poesia não os prendeu...


    ~~ Ia proceder ao envio do ''e.mail'', quando verifico que não
    está disponível. Envio-te outro interessante sobre João PauloII.

    ~~~~~~ Beijos. ~~~~~~
    ~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~

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    1. Oi, Majo! Estou de volta dos passeios.

      Tenho os tios, muitos primos e amigos ainda espalhados pela zona rural. Lá o relógio corre mais lentamente, não há atropelos, nem suicídio.
      Na região do bairro rural Mamonal concentra-se a maioria da parentalha, porém na Fonte Platina - região rural da cidade vizinha de Águas da Prata também há vários parentes em segundo grau.
      Eles não deixam seu cantinho por nada, apesar de terem casas na cidade.
      Aqui na zona urbana nem temos tempo para o velório de vizinhos...

      Abreijos saudosos!

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  5. Nossa! Viagem no tempo agora... Uma feliz noite

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  6. Olá!
    Sim, um Brasil caboclo que se extingue...

    Grande abraço!

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