29.8.15

Retalhinhos ternurentos de infância


Resultado de imagem para imagem grãos de café maduro

O geladinho agosto na roça era mês de fim de panha, a colheita do café - cultura de "alma mater" que rendia o dinheiro mais substancioso, aquele para fazer a diferença.
A mula "Tesoura" vinha vagarosa pela estradinha arrastando a carroça com as sacas cheirosas. O perfume do café em coco nada tem a ver com o grão torrado - um vermelho e adocicado frutinho que chupávamos até fartar.
A felicidade dos dias de lavagem, onde o café descia com a força da água, passando por corredores cimentados e tanques de decantação. Toda a pedra descia e o fruto boiava, boiava com suas folhas e galhinhos diversos.
Na etapa final, já no terreirão, espalhava-se os grãos a secar com o sol de agosto arreganhado escandalosamente sobre tudo.
Tantos pássaros tinindo no céu, tantos tamanhos e cores, tantos nomes... E a criançada fazia da lida um parquinho. No final do dia, amontoava-se o café para resguardá-lo do sereno da madrugada que "garoava" sem dó naquela terra tórrida de agosto.
A "primaiada" deitava-se naquele terreirão para olhar as estrelas e aguardar o luar. A friagem chegava e eu me "acabanava" num paletó velho de meu pai, que me cobria aconchegantemente até aos pés. 
Ale conversávamos, ali ficávamos quietos, ali cochilávamos, ali sonhávamos acordados. E as estrelas cadentes sempre nos visitavam - sempre! Nada nos faltava, éramos plenos na inocente interação cósmica.
O luar extraordinário vinha seguindo o caminho do sol, todo aceso, todo vigoroso. A bicharada noturna entoava balbúrdia. A brisa acelerava... Hora de dormir, descia para casa e todos já sonhavam. A tramelinha na porta numa ilusão de tranca - nada era trancado, não havia cadeados.
A lamparina acesa sobre a mesa da cozinha me aguardava aflita. Aconchego na cama e um sopro. Tudo quase escuro, pois a luz da noite pelada de agosto entrava pelas frestas. 
Cabeça coberta com medo de assombração - agosto! Adriano Lobo, o pior lobisomem, uivava ao longe para martirizar seus pecados. Temerosas, as galinhas dormindo desprotegidas sobre o limoeiro, soltavam gemidos lamentosos.
E num segundo era dia, a mãe chacoalhando para a escola. A roupinha escassa, o embornal com cadernos e o chinelinho "havaianas" nos levavam por entre a grama serenada. A professora era o único elo com a sociedade moderna e um "punhadin" de crianças decora...
No recreio, é história para outro post.

6 comentários:

  1. Belas recordações.

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    1. A infância nos marca, Catarina... Sobretudo numa vidinha rural, sem porteiras na imaginação!

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  2. Olá, querida Cristina
    Tão bom ler algo assim tranquilo e cheio de emotividade típica da infância!
    Tenho tantas recordações também!
    Seu relato é bem suave e instiga a querer ler mais e mais...
    Bjm fraterno

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    1. Olá, Rosélia!
      São tempos vividos pela encosta montanhosa, cheinha de natureza, mansidão e olhares compridos!

      Beijos fraternais também a ti

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  3. ~~~
    ~ Realmente, lembranças muito ternas...
    ~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~

    ~~~ Beijos. ~~~
    ~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~

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  4. Devemos valorizar muito a infância de nossas crianças, visto que são o alicerce para toda a vida!

    Bjs nostálgicos

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