1.8.12

A turma do "Tio Lia"

Ele e a Tia Maria tiveram treze filhos, e todos criaram (além de dois abortos espontâneos). Foram nove garotas e quatro garotos. Destes, apenas duas meninas não se casaram. Nem sei quantos bisnetos há; e netos, se não me confundi, são nove dos homens e dezesseis das mulheres.
Um dos filhos já faleceu. Foi atropelado com cerca de 53 anos. O Tio desenvolveu demência e só se lembra do início da infância. A Tia está em tratamento contra câncer de pele, perto da boca. Ambos contam com mais de oitenta anos.
O casal foi feirante durante mais de trinta anos. Acordavam às três da manhã para carregar a perua e seguir para o local da feira, que é itinerante. Antes disso, a vida era só no sítio do Vovô, iam os dois para a roça antes do habitual, e voltavam após as outras pessoas.
Me lembro dela fazendo a janta: arroz, feijão que as meninas coziam por horas sem pressão, polenta (que era sagrada), algum legume ou verdura de mistura (chuchu, couve refogada). Para o Tio e os dois meninos maiores que lidavam na roça o dia todo, tinha um ovo caipira frito. Só para eles. 
Me lembro que havia uma horta, logo abaixo da porta da sala, no buracão. Não era vigorosa ou bem cuidada, mas ajudava no cardápio escasso.
A comida era repartida em pratos para os maiores e latinhas de marmelada para os pequenos. Após tudo dividido, cada um ganhava sua porção. Se os do meio ainda sentissem fome, pediam emprestado uma "cuiadinha" (colherada) aos menores para pagar amanhã (nunca pagavam).
Aos domingos se matava um franguinho caipira para o almoço, nem pense no tamanho dos frangos do mercado, eram um terço do tamanho deles. Cada um ganhava seu quinhão: um pé, a cabeça, a pontinha da ponta da asa, e sempre os melhores pedaços aos que trabalhavam! 
Era uma união, um casal harmônico, para a Tia sempre tudo estava bom! Nunca os vi espancando um filho...a criançada se satisfazia e se felicitava com tão pouco.
Havia umas pedronas logo à porta da cozinha, era um local encantador! A bica ficava a uns cinquenta metros da casa, ao lado da capoeira. Além dos quatro cômodos habituais, foi feito um puxado, no tamanho de dois cômodos, em chão de terra, onde dormiam todas as meninas.
As mais velhas já moravam nas cidades, trabalhando de "empregadas", viviam nas casas das patroas. Em alguns domingos, vinham ver a família, após descer do ônibus no asfalto, e subir dois quilômetros, descer mais um, chegavam alegremente, embora em sol escaldante.
As colheitas eram de feijão, milho e sobretudo café. O dinheiro era raríssimo, só mesmo uma vez por ano, quando se vendia a safra de café, se o preço estivesse bom. 
No dia de natal, o Tio vinha com um saco às costas, nos mesmos três quilômetros, com guaranás caçulinha. O saco era colocado no corguinho (córrego) para gelar. Um furinho a prego era feito em cada garrafinha, e se lambia lentamente aquele maravilhoso líquido, para que demorasse a acabar!

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