25.8.13

A negra senhora idosa



Sobe minha rua. Lenta, séria, parando cá e acolá. Vai de bolsa e sacola. Vai de saia austera e lenço na cabeça. Vai de sapato fechado.
Idosa, talvez quase octogenária... sobe a rua mais íngreme, contudo vem da cidade, sempre à tardinha, quase ao escuro.
A tempos a vi saindo de uma mansão. Na rua de minha tia. Fui questionar - provavelmente é a senhora que trabalha para outra idosa: Mulher rica, branca, morando sozinha, porém acolhida por um filho.
A alguns dias, por volta de vinte horas, a senhora negra saía do mercado, abarrotada por sacolinhas, quase reptando pela noite fria. Estava suprindo o lar.
Mora aqui por perto... será que sozinha? Será que com netos? Tentei um "boa noite" por diversas vezes, tentei um sorriso. Não há brecha.
A quase minha amiga não está para amigos. Será saudável ou convalesce em segredo? Será que lhe invejo a garra? Será que lhe lastimo a sina? Será que aceito as circunstâncias?
A sisuda amiga negra não se deixa atingir, não se deixa abater, não me deixa... a olho e vejo o passado, vejo tanta história, tanta gente branca nestas mãos. 
Começou na infância? Na adolescência? Teve adolescência? Possivelmente não... nem eu a tive! Trabalha hoje pelo dinheiro ou pela lealdade?
Corro a sondar, toda vez que miro a senhora negra. A vejo subir, subir, até desaparecer. A carrego na mente, sem nome, sem atenção.
A negra senhora idosa, na total ignorância, tem uma amiga, a admirá-la, a mirá-la. E continuará a ignorar-me.
Imagem Google.

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