18.8.13

Blanche XXXIV

*  Aqui  terá o conto completo!

Após o abalo emocional com o passamento de Tibiriçá, a semana fugira. Eric se foi após o acalantamento fragilizado de Blanche. Ela não declinou junto a ele, devido a duas frágeis cabras que aguardam parição, e nesta noite haverá mudança de lua.
Nick, todo aguerrido, surgiu empolgado com a noticiazinha do inusitado cotiguaçu. Ele é todo combalido pela cultura indígena. Blanche logrou o ensejo para acompanhá-lo e esmiuçar a mística vivenda do ancião.
Anteciparam o trabalho e desceram cautelosos, com a merenda: frutas passas e paçoca de carne seca com farináceos; por sobremesa, a amarguinha rapadura de cidra. Passariam várias horas no lesivo despenhadeiro.
Deixou que o  excêntrico Nick explorasse a alegórica ruína das viúvas, aproveitando para coletar especiarias na horta abandonada. Colheu delicadamente ricas sementes e deixou tudo à beira da trilha, para apanhar na volta.
Ofuscado, ele percorreu cada lapa, vistoriou cada desenho nas paredes, cada artefato. Na catacumba das múmias, horrorizou-se com a quantidade de infantes, embrulhados em tecido, agachadinhos como um punhado. 
Blanche, por fim conseguiu arrastá-lo rumo ao índio isolado. Reptando por entre as indóceis pedras, chegaram à pequena curva. Avistaram abaixo, o corpo tão magérrimo, mumificando-se ao sol, esvoaçando longos fios de cabelo cinza, através da brisa.
Depauperado, Nick, o pensador, saudou longamente aquela alma, solicitando a visita. Após a prece, seguiram na veredinha, até o complexo de cavernas talhadas no barranco. Um fascinante mundo se descortinara.
Havia rica cestaria em taquara, com diversos tamanhos, formas e modelos de tranças. Túneis interligavam os antros, com escadaria esculpida na fria terra lisa. Armadilhas e bodoques denunciavam a dieta de caça.
Uma das salas jazia repleta de peles, acusando ser o dormitório. A forma de curtimento do couro era similar à indígena, porém na caverna não havia utansílios em terracota. A arte do cotiguaçu era reproduzida em minúcias.
O inhame assado repousava num cestinho, aguardando paciente pelo possuidor. No terreiro, não existia traços de domesticação animal, nada obstante um roçado erguia-se viçoso em meio ao rego d’água puxado por Tibiriçá.
Blanche, sedenta, correu ao fiapo d'água, e aparando uma folhona de taiova com o líquido prateado, relou seu beicinho e sorveu. Na segunda leva, deixou o excedente para aguar a tosseira de melissa.
Voltando, notou sobre o fogareiro de pedras, apagado, um varal em cipó que acomodava a caça em processo de defumação. Até mesmo as tripas eram aproveitadas pelo ancião: enchidas com ar, dançavam ao toque do vento.
Nada de apetrechos ritualísticos, oferendas, xamanismo... viveu todas essas décadas sem cozer, apenas fazendo fogo e assando à brasa. Uma faca “de branco” era o único ferramental forasteiro na casa do asceta. 
A vista abarcava deslumbrantemente o vale, a leste e a sul. Com o sol decaindo, hora de retornar. Caminhada longa, ziguezagueando penhasco acima, a admirar a secura limpa e dourada desta estação fria. Nick, em êxtase, despediu-se cerimonialmente do (agora amigo) aborígene.

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