8.9.13

Blanche - XXXVI

*  Aqui  terá o conto completo!

Ao final do crepúsculo, Blanche e Nick conquistaram enfim a planície. Num pulinho, ela desce e abre a pesada porteira de paus que separa as arteiras ovelhas da região familiar.
Com o ruído rasgado, todos aparecem à entrada, acotovelando-se. Um aromático ensopado de lebre com inhame aguarda  fumegante sobre a bancada, em esmerada caçarola de terracota. 
Após estimados cumprimentos e olhares audaciosos de Blanche transpassados com Eric, desoprimem-se o carroção e todos adentram seriados, ao comprido salão da casa de tábuas.
Eric, num relance, arrasta Blanche para o terreiro escuro... alegando detalhes sobre a parição da cabras. Ela acaricia ardente, seu rosto cansado e tudo se faz infância: Eriquinho e Blanchinha com uma vida à frente, como bem lhes convier. Ele aperta manga de camisa nos olhos, lágrimas festeiras.
Seguido ao “almojantar”, os treze entes familiares se chacoalham ao som da gaita de Walacy. A meia-luz da lamparina tenta, em vão, trançar cada cantinho do salão e as assombrações, aves silentes, lançam principiozinhos de ingenuidade.
Sara, sempre rígida com as crianças, se afrouxa diante de Blanche, pois esta criou-se desgarrada como indiazinha, e não compreende Isaac “mumificado” em faixas; onde apenas se movem os seus cachinhos de ouro.
Num quase monasticismo, Sara segue sua rígida doutrina calvinista, como  assimilara desde a infância, numa família de fanáticos imigrantes. Às vezes, até nutre curiosidade pelo mundo exterior, todavia sente-se confortável na moralidade resguardada pelas fronteiras da fazenda.
Ela jamais tosquiou-se; tem a cabeça (cabelos e orelhas) sempre recoberta por capuz, põe roupas em cores sóbrias e sem estampas, expondo apenas as mãos. Não canta, não achincalha e nem grita ou assovia. Assim exige igualmente dos medrosos filhos, que vêem na tia, o arco íris da afoiteza.
Focada no risco do pecado e na necessidade do perdão, professa uma teologia policiesca, cheia de ruindade com seus crentes, que sobressalta Blanche pela rigidez.
Um ponto nesta religiosidade exacerbada em que ambas concordam integralmente, é que o batismo vocacional nunca será a tendência desta. Os deuses indígenas são mais convidativos, propiciando um leque de opções.
É tão escuro lá fora, a ponto de se sentir o peso de um paredão. Nuvens se aglomerando, denunciam o iminente final do inverno. Nem lua, nem estrelas, apenas a cruviana madrugadeira chegando de manso, a varrer o terreiro, batendo porteiras e portõezinhos.
Sons estridentes de animais noturnos demarcando território e à procura de parceiros. O balido das ovelhas na pastagem próxima, formando um coral. O chorinho de Isaac, cansado pelo frenesi da noite festiva. 
E numa brecha, Nick arrasta Tom para a cozinha; apalpa-lhe disfarçadamente, como se campeando as cascas lisérgicas. Numa taquicardia, se contenta em respirar, rosto a rosto, seu nefelibato hálito sagrado.
Até quando a naturalidade? Assex até quando? Quando deixa de ser transparente?
De volta ao salão, num propósito, Blanche lhe empurra sorrateiramente sobre Tom. Quando amparado em seus robustos braços, a transcendência se faz em Nick, num êxtase de lisergia maior que as próprias bergamotas no cachimbo do desejado.
Para dormir, Nick adequa idilicamente duas redes emparelhadas (e enamoradas) num cantinho do salão. Proseiam desenvoltos, até quando aquele dorme profundamente, então este se ajoelha e o acaricia: leve, resoluto, por todo ele.
Insone e atormentado, vela longamente o objeto de esbraseante aspiração. O intrínseco amor não angaria exigências para se encetar, apenas escorre magrelinho com a noite quase perfeita.

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