9.10.13

Cuidado com o voto!


A alguns anos, quando estava estudando Ives de La Taille, fiquei assustada que a sua definição de voto. Não encontrei aquele texto na net, mas veja algo parecido: 

YVES DE LA TAILLE. Foto: Almir Cândido de Almeida

"Deve-se evitar ao máximo que os combinados se deem por votação. É preferível procurar o consenso, o que dá muito mais trabalho, mas é bem mais rico, porque desenvolve a prática de escutar o outro. 

Se o grupo segue muito rápido para a votação, elimina-se uma etapa preciosa que poderia ser dedicada ao diálogo. 
A votação não é diálogo, a votação é poder: se eu tenho mais votos que você, você perde e eu ganho". 

Por que eu nunca havia pensado nisso? Será que alguém pensa, na hora de votar?
E com os alunos, em sala de aula, o pensamento deve ser mais aprofundado... evitar votações é o melhor.
Sendo o voto, um imenso instrumento de poder, cuidado com ele! La Taille diz que a tirania de um grupo  organizado pode ser muito maior que a de um tirano sozinho.
Eu leciono "ensino religioso" numa escola, que por lei é laica, justamente porque uma bancada religiosa no Congresso Nacional assim determinou... Sempre faço cursos com os teóricos da UNICAMP, que consideram esta questão absurda.
Então, qualquer tema controverso, sendo referendado pelo voto, adquire legitimidade. Eu vejo entre as crianças, como elas podem ser cruéis para punir o outro.
A reversibilidade de pensamento, que é um conceito matemático onde nos colocamos no lugar do outro, compreendemos seu ponto de vista, nem sempre é exercitada. 
Apoio totalmente esta tese de La Taille, pois sofri na pele este veemente instrumento de poder, numa  época em que desconhecia a tese.
Em 2005, após ser aprovada em um rigoroso concurso interno com outras professoras, numa etapa seguinte, fui eleita por votação, para ser coordenadora de uma creche, pertinho de casa. 
O que eu não imaginava, era que na cabeça das funcionárias votantes, eu estaria "nas mãos" delas. Minha capacidade profissional e a nota da prova escrita nada contavam.
Elas não estariam elegendo uma chefe, alguém que as guiasse, e sim alguém para "rezar segundo sua cartilha", sem hierarquia.
Usaram muito bem o voto como instrumento de poder, querendo que seus interesses de funcionárias se sobrepusessem àqueles das criancinhas com quem trabalhavam.
Muitas vezes elas frisavam que eu apenas estava lá devido à votação, que eu devia a elas o cargo (que nem era tão bom assim).
Permaneci dois anos e três meses na creche, fiz diversas melhorias que estão lá até hoje, todavia meu foco era as crianças e não as funcionárias.
Programadamente, voltei para a paz do meu cargo de professora, pois eu estava apenas afastada dele, e com um acréscimo salarial incompatível com o acréscimo de obrigações e carga horária.
Diversas coordenadoras neste município abandonaram os cargos, por questões de poder semelhantes; em certos casos, vindas de superiores.
A moça que me antecedeu, durou seis meses no cargo, e retornou ao antigo posto. Minha sucessora, ficou três meses: com ela a questão beirou ao bulliyng, então ouve uma denúncia ao gabinete do prefeito e instalou-se uma sindicância.
Passei a pensar melhor sobre todas as nuances que envolvem a vida dos políticos, os financiadores dos partidos, as disputas internas, o gabinete do prefeito  e equipe de vereadores em cidades pequenas...
Os lobbyes de grupos organizados exercem pressão política a seu favor; o problema é quando ferem a maioria, que fica de fora, gerando um despotismo poder do pelo voto.

Fonte de apoio: esta     

10 comentários:

  1. Cris,
    brilhante colocação do Yves la taille prenhe duma pertinência factual.Tive uma experiência muito similar à tua em cada detalhe e só aguentei por 1ano e meio pelos mesmos motivos que vc tão bem descreveu.
    "Cuidado com o voto!
    Um abraço,
    Calu

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    1. Olá, Calu!
      Aqui no interior, pela proximidade e intimidade entre as pessoas, o voto acaba sendo ainda mais tirano. Há questões que esbarram em nossa ética.
      Imagino a garra que deve ter o prefeito atual, por ser ex funcionário da prefeitura... os colegas votam pensando em si próprios, e não na população.

      Outro abração prá ti!

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  2. É isso mesmo, Cristina! Hoje o voto acaba sendo uma faca de dois gumes, tanto para os vencedores quanto para os votantes. Se as pessoas fizessem esta reflexão como você fez por aqui, entenderiam melhor para votar nas próximas eleições.
    Você faz muito bem em continuar professora, tem o dom e muitas crianças precisam de educadores como você.
    beijos cariocas



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    1. Ah, Betinha, em cidades pequenas, cargos de confiança são controversos... a gente fica exposta a "chuvas de granizo".
      O lobby feito por grupos organizados pode exercer pressões veladas ou ostensivas, em favor de seus próprios interesses.
      Quanto a ser professora, me realizo com os miúdos, aprendo com eles, nos divertimos (mas nem sempre)!

      Outros beijicos.

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  3. Oi Cristina!
    Interessantíssima sua exposição da ideia e exemplificação prática.
    Os eleitores nem imaginam o poder que podem ter...
    Com esta postagem, sua colaboração foi preciosa.

    Abração
    Jan

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    1. Olá, Jan!
      La Taille é especialista em Psicologia Moral; adoro estudá-lo para trabalhar com os pequenos. Realmente grupos organizados podem votar a favor ou contra questões que afetam muita gente.
      Com a criançada o lobby é ferrenho, até mesmo para escolher coisas fictícias.

      Um beijico.

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  4. Interessantíssimo! O novo governo dos "azuis" na Noruega quer reformular totalmente a matéria escola RLE (religião, ética e perspectivas de vida), quando souber mais sobre as mudanças vou escrever uma postagem. Beijos!

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    1. Olá, Raquel!
      Eu adoraria. Sou muito curiosa sobre a educação em outros países.
      Aqui no Brasil, o currículo de ensino religioso (no meu caso) favorece uma abertura suficiente para que eu puxe para questões éticas.
      Lecionar religião numa escola laica é o cúmulo, e a maioria das famílias atendidas não seguem religião alguma, ou o fazem esporadicamente.
      Eu já fui auxiliar de professora na catequese, todavia ocorria num templo religioso...

      Outro beijin porcê.

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  5. Eu ja disse que adoro tua profissao? acho lindo o que vc conta das tuas atividades com as criancas. Queria ser professora de criancas e me arrependo de nao ter ouvido eu coracao antes de tomar a decisao pela floresta :-(

    Ahh, tenho verdadeiro pavor do poder
    Bjs Cris

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  6. Ola, Nina!
    Também adoro educar, mas de vez em quando não... toda profissão tem prós e contras, serão seria lazer!
    Para a gente que tem família para cuidar, o horário é bom, todavia leva-se muito trabalho para casa, nos fins de semana.
    As crianças dão trabalho mas propiciam muita festa também. O salário não é condizente com quem deve estudar tanto, todavia temos duas férias por ano.
    Quanto ao poder, dialogar pode ser melhor que votar, contudo dá mais trabalho!

    Outro beijão procê.

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