26.10.13

Pés de lótus

A mais de uma década, assisti a um documentário impressionante, pela "Nat Geo", que ultimamente pude rever, há em locadoras.
Trata-se de mulheres, e alguns homens chineses (diz-se que aqueles criados por travestis), que tiveram seus pés mutilados na infância.
O procedimento consistia em enfaixar permanentemente os pés das crianças com bandagens apertadíssimas, iniciando entre três e oito anos de idade. Quanto menor a idade da criança, mais "perfeita" a técnica.
A dor era terrível, e ficava-se sobre a cama quase o tempo todo, "privilégio" da classe média e alta, porém os pobres foram gradativamente aderindo à "vantagem", ao menos com a filha caçula. 
Quando usamos um calçado um pouco apertado, sentimos o incômodo e dor, que dirá permanecer assim dia e noite!
O mal cheiro recendia, sendo necessário higienizar diariamente os pés e trocar as faixas, sob risco de sérias infecções.
Imagino o alívio do desenfaixamento, e ao mesmo tempo, a dor ao toque... as unhas de dedos retorcidos sob a sola dos pés, cresciam e cravavam a carne, enquanto os pés tentavam o mesmo.
Gangrenas por má circulação sanguínea eram comuns, e alguns dedos acabavam sendo perdidos, facilitando o trabalho do cuidador. 
Após os treze anos, e para o resto da vida, as ataduras eram feitas pela própria "pés de boneca", pois a manutenção garantia o sucesso.
Sapatos especiais faziam parte do "tratamento de beleza", e eram artisticamente criados por artesãos e pelas próprias "´pés de lótus", como forma de lazer.
Muitas crianças ficavam tão debilitadas pela dor, impossibilidade de sono e dificuldade na alimentação, que qualquer probleminha de saúde as matava.
A "lótus dourada" era o comprimento de 7,5 cm para os pés, ideal quase inalcançável. Ultrapassando 10 cm, o trabalho era considerado malfeito.
Na juventude, era considerada a mais alta sensualidade, os pés de lótus suscitavam mais fetiche que a vulva, e um homem abastado apenas se casava com uma "pés de lótus", compensando o sacrifício familiar. 
O marido envolvia seu pênis no vão dos dois pés aveludados (por não pisarem), como forma máxima de excitação sexual. Eram pétalas de lótus, e se a esposa os usasse para acariciar o esposo, então...
Na vida adulta, a pessoa era praticamente deficiente física, estando impossibilitada à maioria dos trabalhos e tornando-se um peso para a família. Cuidava da casa com apoio de diversos banquinhos.
Ainda hoje há velhinhas remanescentes desta barbárie abandonada (será?), que quando conseguem se locomover, necessitam de bengalas, tamanha a desproporcionalidade dos pés em relação ao corpo.
Há várias hipóteses para a comparação com a bela flor de lótus: o tamanho mínimo resultando em passos suaves, a curvatura do pé, que fica arqueado para baixo, imitando um salto alto, dentre outras.
A tradição durou cerca de 1.000 anos, e uma das justificativas era de que assim a pessoa "não criaria asas": não fugiria de casa ou não se aventuraria.
A prática se disseminou para outras partes da ásia, contudo em menor grau. Hoje é considerada arcaica, pois causa quedas e problemas ósseos na coluna e quadris, devido ao deslocamento irregular. 
A última indústria de calçados para pés apequenados fechou em 1998, por falta de clientes.
Eis um poema, trazido ao ocidente por Howard Levy:

"Todas as noites, eu respiro seus pés, esse odor é teu e ninguém o possui... Eu só lamento não poder colocar na minha boca teu pé inteiro... como se fosse uma branca castanha... Mas eu posso lambê-lo todo... ah, isso eu posso."

Não postarei fotos, procure-as sob o título do post, são imagens incompreensíveis à nossa cultura, contudo anexadas à vaidade imposta por um padrão (destorcido) de beleza. E a origem da prática estava no maior prazer sexual masculino. Sempre!
Além do documentário, realizei inúmeras leituras para aos poucos, compor um esboço deste post, inviabilizando uma lista bibliográfica.

Vale ressaltar, que em minha infância na roça, ser rechonchuda e ter pernas grossas fazia parte da ditadura da beleza, que só escravizava as filhas de fazendeiros, pois não precisavam trabalhar duro nas plantações.
Os pés acima da numeração 37 eram discriminados, pois as raquíticas moças caboclas não passam muito de um metro e meio de altura.
Ser magérrima, mutilada pela anorexia, como as modelos esquálidas de hoje, era sinal de pobreza e desnutrição no início da década de 70. 
Atualmente, o uso de  perigosos saltos altíssimos não nos faz refletir? E as desconfortáveis calcinhas "fio-dental", em corpos até de meninas pequenas...imposições do "parecer" se sobrepondo à simplicidade do "ser".

16 comentários:

  1. Curioso n sabia disto!!! bom domingo bjss

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  2. Oi, Nany, bom dia!
    A sexualidade está ligada à necessidade de procriação: de certa forma, trata-se de uma armadilha da natureza, que leva a estas aberrações!
    Seres hermafroditas possivelmente devem focar suas energias em questões relacionadas sobretudo à sobrevivência individual, pulando esta fase "pavão" das espécies que necessitam de par...

    Excelente domingo também a ti!

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  3. Oi Cristina, muito obrigada por sua visita e pelas felicitações pelo meu aniversário.

    Quanto a Pés de Lótus eu não conhecia a história, interessante mas triste, por sorte uma tradição não mantida nos dias atuais.


    Beijos e ótima semana a vc.


    Audeni

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    1. Boa noite, Audeni!
      História terrível, como tantas por este Planeta... tudo em nome do poder e do sexo.
      Fazer o que? Até mesmo as plantas usam artimanhas semelhantes em busca dos melhores insetos polinizadores! Apenas as estratégias delas se perpetuam na genética...

      Outros beijos, e também excelente semana.

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  4. Oi, Cristina. Passando por aqui pra conhecer seu blog e pra agradecer o comment no meu. Abraços!

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    1. Bem vindo, Marcelo!
      Adoro seus escritos. Um senso de humor contemporâneo e inusitado... sempre fico surpreendida, parabéns!

      Outro abraço a ti.

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  5. "Para variar", mais um post interessante escrito por você. Já vi fotos dos pés das chinesas vitimadas por esta tradição, são grotescas. Brilhante seu paralelo com a moda praia no Brasil. Não é assim na Noruega, cada um usa o que bem quer (se bem que as calcinhas fio dental como as daqui do Brasil seriam talvez vistas como engraçadas, e não sexy pelos locais). Abraços!

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    1. Olá, Requel!
      As tradições culturais podem ser cruéis: uma "pés de lótus" que enviuvava e tinha que cuidar sozinha da prole, passava privações terríveis, estendendo-se aos filhos maiorzinhos.
      Quanto às calcinhas, veja alunas ainda pequenas, incomodadas com a peça íntima, tentando se habituar. Fico com saudades daquelas calcinhas com o bumbum cheio de rendinhas de minha época infantil. Paradoxos!

      Outro abração.

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  6. Gostei deste seu trabalho Cristina com todas estas curiosidades e atrocidades. Quando a gente aprofunda nas historias temos este encontro com o inacreditável. Também tenho esta mania de assistir estes documentários com curiosidades da historia de um povo. Aqui a Ásia com toda sua cultura milenar. Boa sua inserção sobre a visão brasileira sobre padrões de beleza naquela época e ainda hoje encontramos pessoas idosas que nutrem estes pensamentos estereotipados.
    Muito boa partilha que li com cuidado e interesse para ilustrar o que já havia lido.
    Uma linda semana para você.
    Meu terno abraço amiga.
    Bjo de paz e luz.

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    1. Então, Toninho, cada cultura com suas agruras, todavia parece que a mulher é a mais afetada.
      A um tempo escrevi sobre a bárbara prática de ablação do clitóris, que acomete menininhas até hoje, deixando sequelas para a vida toda.
      São crânios deformados, "mulheres girafas", os lábios alongados de nossos indígenas, rituais de passagem perigosos...

      Tenha também uma semana iluminada e pacífica,
      Abreijos.

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  7. De vez em quanto sabe-se de cada coisa...
    Beijinho para si!

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  8. Oi, Vieira!
    Quanto percebo o quanto a humanidade é complicada, me lembro de que a mãe natureza coloca sua mãozinha em prol da generatividade.
    A arte na confecção dos sapatinhos pode assemelhar-se às danças de certos pássaros, à coloração excêntrica de algumas plantas.

    Outros beijos do sudeste brasileiro.

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  9. Oi, Cristina!

    O Início dessa prática tem algumas versões diferentes. Uma delas diz que começou pela dançarina Daji que era concubina do Imperador Song ou Sung ou Shang. Ela tinha os pés defeituosos e vivia com eles amarrados. Por achar seus pés feios, ela invejava os pés de outras mulheres - quem faz ballet por anos, não tem os pés muito bonitos - daí ela pediu ao imperador que obrigasse a prática dos pés amarrados para todas as mulheres, a começar na infância.

    Outra versão conta a história de uma cortesã favorita do imperador Xiao Baojuan, que tinha os pés muito delicados e dançava com pés descalços sobre uma plataforma de ouro, incrustada com pérolas e decorada com flor de lótus. O imperador expressou admiração e disse: "as flores de lótus invejam seus passos!" - que pode ser uma referência a uma lenda budista de Padmavati e que deu origem aos termos "Golden Lotus" ou "pés de lótus" usados ​​para descrever os pés enfaixados.

    O consenso geral é que a prática se originou a partir do momento de imperador Li Yu pediu para sua concubina enrolar os pés em seda branca na forma da lua crescente. Isso foi replicado por outras mulheres da classe alta, o que ajudou a difusão.

    Só foi possível mudar a mentalidade no início do século XX quando as condições sociais começaram a mudar e as mulheres chinesas agradecem muito a feminista Brigitte Kwan, de linhagem Manchu, a única linhagem que no passado havia contestado a prática da Golden Lotus.

    Kwan morreu em 1980 e passou a maior parte de sua vida fora da China, sonhando com um retorno e reencontro com seu irmão gêmeo para ressuscitarem juntos a China imperial que ela nunca mais veria.

    Questões como essas, chocantes, que chegam a doer só de ver, devem nós tornar mais criticos sobre o que vivemos, sobre a nossa cultura machista que ainda dita normas de condutas sexuais para nós mulheres.

    Bom restinho de semana!!
    Beijus,

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  10. Olá, Luma, que maravilhosa contribuição!
    Impressionante como uma cultura tão excêntrica surge a partir de questões corriqueiras.
    Visualizar aquelas menininhas chorando de dor, e pensando que aquilo era o melhor para elas... tornar-se aleijadas em prol de um padrão de beleza tão machista.
    Um viva à feminista Brigitte Kwan! Eu não a conhecia, mas anotei seu nome para encontrar fotos dela na net. Mais uma mulher de fibra a fazer a diferença.

    Grata por enriquecer brilhantemente o post!
    Excelente descanso,
    outros beijos.

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  11. Eu já tinha visto também algo sobre esta curiosidade oriental, aliás sobre muitas e, ao meu ver, bizarrices.
    Mas, você lembrou muito bem que em nossa sociedade, tão moderna,há também bizarrices agudas como estas das calcinhas fios dental e dos saltos extremamente altos para andar muitas vezes sobre paralelepípedos ou morros. Tudo muito louco neste mundão. rsssssssss
    beijos cariocas


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  12. Oi, Alfazema!
    O pior de tudo, é que as crianças vão de salto e "fio-dental" à escola. Quanto ao salto, peço que fiquem descalças, pois é mais saudável.
    O problema das calcinhas incomodando, já é mais difícil de contornar! Bem que dá vontade de pedir para jogar no lixo do banheiro e ficar sem nada...

    Outros beijitos interioranos.

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