30.1.14

Blanche XLVII

Em Riolama, a rotina segue enclavinhada no avinagrado verão seco, comprometendo colheitas e pastagens. Presos aos espinhosos preços praticados em Corda Bamba, a população, de olhos turvados ao futuro, além da subsistência, conseguirá anoréxicos proventos.
Quando o inverno surgir, ainda mais seco e espantado, não terão como fazer reparos, adquirir equipamentos, renovar a rouparia doméstica, nada... as providenciais doações à igreja, que são uma espécie de "seguro" à comunidade, começam a ralear vagarosas feito um entardecer.
A crua luz do sol tudo alaga, sem nuvem parda a coá-la, cega o apagado cintilão no olhar dos posseiros, alquebrados em torpor à espera que o aguaceiro empape a campina.
Lucano, o vendeiro, necessitou aditar os preços e as vendas caem. A jovem esposa, em cantinela aladainhada e dolorosa, se desdobra entre a ríspida adultez exigida e a afável adolescência desejada, gerando agastados conflitos conjugais em meio às grossas bagas de suor, pela lida feroz. 
O pai, agora viúvo, jaz melancólico e confuso, com momentos de terror que lhe dilatam as pupilas, nuns olhos escancarados de animal espancado. Estira-se ao comprido num canto escuro, alastrando uma expressão apavorada e beiço repuxado, como se um desgosto o penetrasse a carne.
Da cara tão magérrima despendem duas bochechas miúdas, rugosas e pálidas, disfarçadas pela branca penugem rala. Um náufrago em ruínas com escasso sorriso amargo franzindo-lhe o murcho lábio inferior.
Rob, genitor de Blanche, irriga com esforço descomunal, as persistentes plantações anexas à barranca do rio. Nos passos trilhados à rua da vida, repete esta dança de quando em quando. As pastagens já meio secas fazem os animais se locomoverem demasiado, se adelgaçando visivelmente. 
O rio orgástico, todo veemente, perde parte de vigor e diminui o galope. Seu néctar, num brilho agudo e metálico, é evaporado por um constante vento suado, funcionário do sol. O esturro gritado da cruviana desgarrada espalha o lamento da aferrolhada mágoa desta vila.
Numa propriedade, o celeiro ardeu consternado madrugada adentro, por uma faísca insistente que tentou provocar a carga d'água. A constrangida verba da igreja amparará a família, com um mutirão domingueiro para reconstrução. A vitualha? Esta será cedida às migalhas pelos vizinhos, também desfalcados.
Eric, em grandes olhos pestanudos abarcando a paisagem como quem procura um amparo, quebra-se maçado em vagos pressentimentos... mais uma desabrida seca a romper em voz pastosa, insistente.
Blanche, reticente, já nota a moderação no leite e a marcha amiúde das cabras ao regato, com as elevadas temperaturas. O pedregal, presença marcante na montanha dos caprinos, agora se sobressai com violência na paisagem rala.
A propriedade na planície recebe tempestades de poeira, com redemoinhos em mormaço a varrer galinhas e plantações. Os equinos, força da fazenda, necessitam complemento alimentar, contudo nesta época do ano não há. Os animais velhos ficam por lá, num espaço reduzido, mascando limões e gravetos para dar melhor chance aos jovens garanhões.
O Reverendo Albert, com seu cabelo rente e eriçado, farto bigode tapando-lhe a boca, perde aquele amplo sorriso onde lhe somem as pálpebras nas rugas salientes. Os parcos chuvisqueiros são levados em cordas pelo vento, perpendiculares e frágeis fiozinhos prateados.
Fogem os trabalhos extras, as pessoas somem da vila, a caça se apaga nas imediações... pouco se negocia num mundo suspenso à espera das águas, que respingam cá e acolá, numa fugidia ciranda sem respeito.
Orações domingueiras na igreja, encomendas de ritual da torrente aos indígenas, promessas aos espíritos de antepassados... nada muda a decenal estiagem local a admoestar tudo que vive. 
E o áspero vento brame em respiração custosa, derramado impertinente e fatigado, todas as alvoradas, num gritar que morre aflito, polindo as encostas. Os trovões, longe, anunciam uma esperança tola após o relampejar insólito e aberto a chegar pelas frestas.

4 comentários:

  1. Olá, Cristina.
    Quem é o autor do conto?
    Está muito bem escrito.
    Beijinhos.

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  2. Majo, o conto é meu mesmo, vou escrevendo aos pouquinhos... tenho o outro blog só para ele.
    Agradeço o elogio!
    Outros beijitos.

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  3. E lá vai indo, devagarinho...
    Um exercício de conhecimento, ler você, Cristina. Tantas palavras que saem de você, que ainda não conhecia. Além da história, aprendo as inúmeras possibilidades da nossa língua pátria, que tanto aprecio.
    Beijo e bom fim de semana.

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  4. Oi, Lucinha!
    Pena não ter tempo para escrever devidamente... seu estímulo ajuda a encontrar tempo pros novos episódios.
    Minha intenção é justamente acrescentar um pouquinho que seja, e não apenas entreter.
    Fico grata com suas palavras,
    Outros beijões, e excelente semana a ti

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