9.9.14

Não canonize a mãe!

Trabalho com crianças a mais de vinte anos, sou mãe a quase trinta e tenho cinquenta. É uma boa trajetória envolta no tema mulher-mãe, com experiência de campo e cidade.
Quando eu morava na roça, se uma moça se casasse e não tivesse filho logo, ai-ai-ai! Já vinha a "fofocaiada", já plantavam uma pulga por detrás da orelha da pobre, insinuando que o marido até poderia deixá-la. Abandonar a esposa por isso era praxe mesmo.
Na escola rural, meus coleguinhas geralmente tinham muitos irmãos e já nasciam na luta. Era comum a menininha aos sete / oito anos cuidar do irmão de um / dois. Minha cunhada foi babá de meu marido nesses termos; até o derrubou dentro do regato; secava ao sol as fraldas mijadas e punha-as de volta nele.
Criança de roça não punha calçado, geralmente não usava roupa, não ia ao médico, não recebia atenção. Vivia assim, ao léu e bastava pouco para perecer. Minha própria mãe tem três anos de escolaridade, e era o máximo de estudo existente à época rural.
Com o tempo, as exigências sobre a mãe foram aumentando paulatinamente, surgiu a pílula em substituição aos pouco eficientes chás emenagogos, a mulher que trabalhava fora - na roça, foi trabalhar na cidade.
Na cidade, não dava para deixar filho ao léu, e apesar das creches proliferarem, quanto mais a sociedade exigia, menos filho a mulher passou a ter. E isso também virou exigência a ela.
Dentre minhas colegas, amigas e vizinhas, todas de baixa renda como eu, que se casaram na década de oitenta, muitas tiveram apenas um filho (como eu). Não me lembro de nenhuma que não quisesse ou nem tentasse ter ao menos um.
Tenho também companheiras de jornada que tiveram dois ou três. E fiquei sabendo de duas amiguinhas da roça que nunca mais vi: uma teve seis e a outra sete; criaram-nos pelas fazendas da região, certamente na maior dificuldade.
Ultimamente, é muito comum mulheres casadas a muito tempo, não quererem filhos. Minha prima que vive numa propriedade rural casou-se novinha e a vinte anos responde às constantes insinuações do povo roceiro. A sogra dela diz que mulher sem filho é árvore seca. Ela responde:
_ Então que seque até se desgalhar!  
Quanto mais canonizada for a mãe, mais a sociedade que assim proceder encolherá, gerando tanto problema social quanto uma superpopulação. 
Mesmo o estado terceirizando os filhos, com escolas em período integral onde estagiários dependurados ao celular "cuidam" de filhos alheios, não atrairá muitas candidatas a fazer seus úteros de "horta" (ouvi isso de uma estagiária novinha). 
Imagem daqui

10 comentários:

  1. Nesta postagem fiz uma viagem à minha infância, bem próxima desta realidade estampada aqui. As famílias eram grandes e nao tinha televisão, só radinho a pilha e ruim de sintonizar,rsrs.
    E o pior hoje Cristina é ver que onde menos se deve nascer crianças é onde mais se evidencia. Penso que Elsimar Coutinho deveria ser levado mais a sério neste país desigual.
    E as arvores secas por certo seriam em maior numero e seriam discriminadas.
    Uma boa semana para você.
    Meu terno abraço de paz e luz.

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  2. Pois é, Cristina, acho tão descabível isso de ficarem cobrando das mulheres que decidem não ter filhos. Sou daquela teoria "Ame e deixe viver", cada um faz o que achar melhor em sua vida.
    Quanto mais hoje em dia, que se exige muito da mulher, fazendo-a envelhecer antes do tempo no corre corre da vida.
    um grande abraço carioca


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  3. Oi, Tonin!
    O que mais me encanta nas invenções associadas a Coutinho é o implante anticoncepcional subcutâneo, ideal para meninas dependentes de crack.
    Já vejo na sala de aula os extremos entre filho único de classe média bem cuidado e filho de estruturas familiares desajustadas ao léu.
    E assim o Brasil segue encolhendo populacionalmente...

    Abração pacífico também procê

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  4. Regrinhas machistas, preconceituosas, ainda engessam muitas mulheres.São visões tão impróprias que a gente se espanta de ainda provocarem estas discrepâncias que vemos tanto nas cidades quanto no meio rural.Há muito ainda a ser mudado neste cenário.

    Bjinhus,
    Calu

    Ps: obrigada por teus belos rios que ilustram o post por lá :D

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    1. Olha, Calu, a machista e preconceituosa exigência de perfeccionismo e papel de "mãe maravilha" afoga muitos interesses de moças que não querem perder seu "eu".
      Há interferência demais na forma da mãe ser mãe, tanto do estado, quanto da mídia / economia e também da família: na gravidez ela é rainha; após o parto deve invariavelmente se tornar uma escrava...

      Vou conferir seu post,
      Beijos daqui

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  5. Alfazema, você tocou no ponto. Dedicar-se à maternidade não é mais tão simples. Mulheres trabalham longe, não voltam para almoço, as avós também trabalham - uma logística difícil para consiliar crianças nesse mundo corporativo sufocante.
    Somando-se, a sociedade exige posturas maternais que chegam a diminuir a mulher como indivíduo, amalgamando-a demasiadamente à materninade.

    Abreijos interioranos

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  6. Qual o problema das pessoas, insistindo em criar situações desconfortáveis para seus semelhantes? Em pleno 2014, ainda tem gente assim no mundo. Sejamos LIVRES!

    Beijo, Cris!

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  7. Oi, Companheira!
    É mesmo: nem a mãe precisa ser tão politicamente perfeita, nem a mulher precisa ser mãe na marra. E que soltem as amarras!
    Condenar uma mãe por dar chupeta, por não dar mais o peito, por colocar na creche, por não colocar na creche, por não ter engravidado ainda... ufa!

    Beijo de volta

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  8. ~ Portugal é um pais envelhecido.
    ~ O governo corta salários aumenta impostos e pede mais natalidade!
    ~ É muito raro encontrar uma família com quatro filhos.

    ~ Todas sabemos o que custa deixar um filho numa creche.

    ~ ~ ~ Abraço Grande. ~ ~ ~

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  9. Aqui no Brasil, as creches públicas são todas gratuitas, mas em certas regiões faltam vagas.
    Mesmo sendo aclamado como país de jovens, o Brasil deixou de crescer (pouco mais de 1,8 filhos por mulher), e creio que esta taxa cairá vertiginosamente.
    Mudanças climáticas, violência urbana (drogas), instabilidade econômica e política, falta de tempo livre, responsabilidade e falta de liberdade são fatores que pesam nesta decisão tão séria.

    Abreijos

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