12.12.14

Obesidade de Deus

Eu sou um esculacho para religião. Tive criação católica sem beatice e na adolescência segui com mais afinco, fui até auxiliar de catequese. Após o casamento mantive aqueles contatos esporádicos com a igreja: casamentos, missas de sétimo dia, batizados, festas sacras.
Uma coisa que sempre me encantou desde a infância roceira foi a devoção aos santos. Parece que o povo rural adorava mais às imagens de seus santinhos de devoção que propriamente a Deus. 
As histórias de vidas martirizadas dessas pessoas santificadas, sempre tão sofridas e magrinhas fisicamente e tão obesas de Deus me encantavam. Ainda me encantam, independentemente da parcela de realidade e de ideologia contidas.
Quase num sincretismo com o aspecto cultural, também fui elegendo as minhas: Nossa Senhora do Perpétuo Socorro devido à crença de minha tia em sua infinita proteção. Era a coisa mais linda do mundo aquela mulher pobre com TREZE filhos, entregando cada desespero aos pés da imagem de sua santinha. A igreja mais imponente de minha cidade é em devoção a ela e eu nasci a 200 metros dali.
Santa Rita também é minha santa de adoração, pois há uma cidadezinha bucólica aqui próxima, onde a festa da padroeira agita a população todo mês de abril. Sua imagem em cera, réplica do original corpinho mumificado, é exposta aos devotos dentro da igrejinha encantadora. 
Há um caminho em terra batida denominado "Rota das Capelas" com menos de 100 km. Ele corta seis municípios passando por aqui até esta Santa, cruzando cerca de trinta capelinhas "abandonadas" à beira da estrada. Erguer uma dessas capelinhas num local de morte é cultura antiga na região.
Meu pai dizia que nem sempre era consequência dum acidente (queda de cavalo, raio, picada de cobra). Podiam estar vindo com o moribundo à cidade em busca de socorro e naquele ponto ele piorava. Parado ali, o cortejo familiar se despedia do ente e então erguia a capelinha para proteger sua alma.
Outra santinha querida é Santa Luzia, com paróquia rural aqui próximo, num município vizinho, também lindinho, com centenários casarões tombados.
Na terça-feira à noite, fui em romaria com a mãe e sua vizinha Ni até a igreja de Santa Luzia. Era vez da paróquia do meu bairro fazer a novena (nove noites de missa), pois amanhã é seu dia.
Antes de sair, a mãe "benze que benze" a casa, depois benze a si própria, num ritual espontâneo que soaria estranho a um transeunte desavisado. 

Aqui, a lateral da igreja do meu bairro, no momento de pegar o ônibus para a romaria.
Já no bairro rural de Santa Luzia. Ao redor da igreja forma-se um verdadeiro shopping popular nesses nove dias. Vende-se panelas, ferramentas (que meu Par adora), vestuário, quinquilharia, alimentação.
Excrutinei os barraqueiros: Vão de festa em festa por uma extensa região, com pequenas paradas em casa - em cidades distantes daqui. Dormem e cozinham improvisadamente no chão da barraca.
Mãe (de verde) e Ni posando embaixo de garoa enquanto a noite cai.
A igrejinha de Santa Luzia. Ao lado, há um barracão onde os festeiros fazem bingo, rifam prendas doadas (roscas, frango assado, doces) e vendem porções. Logo à sua volta há cafezais e abaixo, algumas casas do outro lado da estrada.
Aqui, há uma imagem externa da Santa e uma água (encanada) que jorra duma nascente. É hábito recolhê-la e lavá-la à missa. No final, o padre faz o benzimento.
No resto do ano, isto é um deserto. Adoro vir aqui também quando tudo hiberna... serenidade só! Pessoas aparecem apenas para pegar a preciosa água sagrada.
Interior da bucólica igreja: Pintura em técnica aparentemente naif, belo lustre, regida por um povo fervoroso - humilde e predominantemente rural; famílias inteiras em devoção. Uma aura de paz celestial.
E para comer? após a missa, tínhamos uma hora para perambular antes da saída do ônibus. Mãe e Ni duvidavam entre comer pastéis e o tradicionalíssimo lanche de pernil. Nada disso me apetece desde sempre; procurei a cozinha alternativa e comprei uma refeição (arroz com feijão e bife acebolado) servida ao pessoal que trabalha. Senti falta de couve refogada.

2 comentários:

  1. ~ ~ Hábitos bucólicos...

    ~ Uma leitura interessante pelo seu exotismo.

    ~ ~ ~ Beijos. ~ ~ ~

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  2. Esta roça vira um formigueiro humano por nove dias e depois e deserto se restabelece.

    Em Minas Gerais há tradições religiosas mais interessantes ainda.

    Beijos atrasados procê também

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