4.4.15

Tiza


Resultado de imagem para sanfona antiga

Já passa de três anos que ela morreu. Coisa de semana e já se foi... setenta e poucos anos, quatro filhos. Era prima da mãe por parte de pai e dormiu com a avó como dama de companhia por dez anos seguidos.
Sinto saudade da Tiza: Da sua exagerada mania de humildade, de seu gosto por velório, cemitério, limpeza de túmulos, pela passagem da vida.
O que eu gostava mais nela, eram os causos que contava da vida de adolescentes, da roceira juventude  da "primaiada" na Serra do Mamonal.
Voltando no tempo uns 55 anos, hoje eu veria um batalhão de primos seguindo por aquele triozinho que levava à Fazenda Santa Cecília, onde um belo baile de aleluia acontecia, após quarenta dias no maior comedimento.
Sim, na quaresma não se ria à solta, não se exagerava nas falas, não se provava da pinga, não se ia à cidade fazer compras, não isso, não aquilo. Era época de recolhimento e respeito religioso. Na quaresma, o mais era pecado.
E o sanfoneiro animava, e as tábuas no derredor da tulha coalhadinhas de vestidos de chita, estampados e rendados ou envoltos em sinhaninhas, e as carinhas esplêndidas de meninas que tinham tão pouco...
E as danças respeitosas (excetuando-se os malandrinhos com "sabugo no borso"), os olhares fugitivos, os irmãos a vigiar. A poeira amarronzando os sapatinhos grosseiros. Tanta gente e tão poucas famílias!
Lá pelas tantas, comprava-se um guaraná "enchorradão" bem quente, que era dividido, repartido, fracionado, e fazia-se a multiplicação. Um sanduíche com pão da cidade, deliciosamente murcho envolvendo aquela ensebada carne moída feita de véspera.
Na estrelada e absoluta noite outonal, o chorinho da sanfona ecoava longe pelas montanhas, levado pela brisa temperada que assoprava cada vez com mais vigor madrugada a dentro.
O garrafão corria solto, a molecada já alterada entre baforadas duns cigarros de palha que seguiam pela roda. Nada de desodorantes - cheiro bem natural de gente; gente com feromônios - em exorbitância; todavia gente que se banhara para a especial ocasião. 
No terreiro da tulha, o céu com uma minguante lua acesa, mansinha e leve, fiapos de nuvens. Cá ou acolá uma moita tremia - sempre havia os afoitos a burlar as regras do bom namoro.
Casaizinhos com filhos - penquinhas de crianças postas a dormir no chão batido. Pouco a pouco o salão esvaziava-se daqueles que vieram de longe, numa carroça ou lombo de burro. Daqui a pouco é hora de arrebanhar as vacas nas pastagens e retirar o leite.
Findo o baile, uma procissão amassando novamente o triozinho orvalhado. Hora de dar um cochilo em casa e recomeçar a vida real assim que o dia clarear, pois quando não se está para morrer enfermo, ninguém se  atreve a ficar deitado com a luz solar.

2 comentários:

  1. Oi, Cristina!
    Quantas lembranças boas a prima de sua mãe ajudou você a guardar!
    Festa com sanfona, arrasta pé até de madrugada e depois ir trabalhar? Ainda bem que não é sempre que essas festas acontecem!
    Feliz Páscoa!!
    Beijus,

    ResponderExcluir
  2. Olá, Luma!
    O povo da roça tinha uma rotina diária de trabalho a cumprir, pois os animais domésticos e a casa (cheia) não dão trégua.
    Tirar leite das vacas, alimentar as galinhas, porcos, irmãozinhos, afazeres domésticos é coisa prá todo dia, inclusive após o baile de aleluia!
    Participei de alguns desses nostálgicos bailes dos 12 aos 16 anos, depois dormia na roça, na casa da avó. Oito horas em ponto tínhamos que pular da cama e ajudar nas tarefas.

    ResponderExcluir

Desativado

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.