1.8.15

Memória olfativa

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Estava aqui recordando da época em que comecei trabalhar na cidade, com quase treze anos de idade. A cidade é de uma sensorialidade estranhíssima para os "bichinhos do mato". 
Hoje falarei um pouco sobre minha lembrança dos odores relacionados a essa ruptura vivencial: Eu trabalhava num açougue de frangos e salgateria (dois espaços interligados).
Era o único local que vendia frango em partes e também frango assado. Do lado da salgateria havia uma cozinha onde fazíamos os quitutes; apenas as empadas de palmito (manjar dos deuses) vinha pronta de uma fornecedora - moça solteirona que só servia a nós.
Ficava no centrão - na rua de comércio popular. Eu descia do ônibus no mercadão (em frente). Seus odores mesclavam perfume de maçã, cheiro de "sanitário de estação rodoviária", gordura velha e outros odores difusos impregnados ali por décadas.
Ao lado do mercadão, bem mais em frente ao meu trabalho, havia um supermercado (novidade no interior em 1977). Seus odores mesclavam aromas industrializados (morango, chocolate - sabores de guloseimas) e um cheiro forte de produtos de limpeza que atravessava a rua.
Ao lado, ficava uma farmácia, com recendência de remédio, variando do formol ao álcool e outros tantos.
Atravessando a esquina, também ao lado, ficava uma padaria, com essência de rosquinha e pão saídos do forno, leite com café, quitandas de todo tipo.
Dentro do espaço em que eu trabalhava, o compartimento do frango mesclava a fedorentina de sangue podre e fiapos de carne estragada, o próprio cheiro de frango cru,  com temperos recendentes como louro, orégano e noz moscada.
Quando a máquina de frango começava a assá-los lá na calçada, a fragrância era espetacular. Eu nunca degustara frango assado até então. Não roça não havia esse prato, pois frango caipira é duro.
No compartimento dos salgado, a emanação de batata cozida para o nhoque e maionese, aliado ao peito de frango aferventado, recheios e massas de coxinha, panqueca e quibe, aguçavam a salivação, induzindo à fome.
Fato é que passei três meses com enjoo matinal; só não vomitava por estar em jejum. Hoje nem ligo para frango assado, entretanto amo sentir seu aroma de longe, nas madrugadas de domingo ao pedalar próximo aos açougues do centro.
Amo lembrar do eflúvio quente daquelas empadas, do bálsamo artificial do refrigerante sukita  (que não tomo a tempos) e da maçã argentina, cujo perfume é infinitamente melhor que o sabor com textura de isopor.
Indispensável me é o sabonete phebo rosas, resquício da época. Toda vez que umedeço aquele sabonete, e às vezes o faço apenas pelo deleite, volto aos meus difíceis e maravilhosos 13 anos...

3 comentários:

  1. Texto bom de ler, Cristina. Senti os cheiros todos e aprendi o significado de "recidente", palavra que nunca tinha lido! rs
    Lembranças boas são um bálsamo. Tenho zero de memória, sabe? Então, me encanto quando as pessoas lembram de detalhes de suas vidas. Mesmo que os períodos tenham sido difíceis, há coisas boas a recordar.
    Beijo e bom fim de semana.

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  2. Falei besteira, onde estava com a cabeça? rsrs Conheço "recender", até já falei muito. "Isto está recendendo longe"! rsrs Afff, ando nas nuvens...

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  3. Olá, Lucinha!
    Eu não me recordo de muita coisa também. Há certas passagens que algum conhecido comenta e fico no vácuo. Até pessoas do passado não consigo lembrar.
    Outras lembranças, no entanto, são quase tocáveis. São os mistérios a deixar para a neurociência.
    Eu tenho lembranças mais duras, entretanto as boas predominam, deve ser algum mecanismo de defesa!

    Outro beijão procê

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