28.7.13

Blanche XXXIII

*  Aqui  terá o conto completo!

Na manhã seguinte, Blanche relata a Eric, o plangoriar que sobe a dias, da região onde se encontra a caverna do legendário índio isolado. Tibiriçá, à época da debandada rumo à reserva, alongou-se entre a pedraria.
Obviamente, não é seu nome de batismo. Trata-se de uma alcunha empregada pelos brancos para designá-lo. Ele não trava contato oral com ninguém; apenas ocular, e mesmo assim, a uma distância inteligente. 
Se estivéssemos em tempos modernos, talvez Tibiriçá fosse etiquetado como portador da “Síndrome de Asperger”, ou outro transtorno do espectro autista, pela ausência de interação social, mesmo quando cutucado.
Certamente octogenário, viveu todo esse tempo ermo. É avistado de tempos em tempos, subtraindo víveres nos roçados ou rondando as fazendas, para arrebatar galinhas, ovos ou qualquer outra vitualha que lhe apaziguar o estômago, sempre em deflação.
Blanche havia interpelado Tom durante a semana, contudo o mesmo desconversou camufladamente. Ela instintivamente intui a possibilidade do ancião estar enroscado pela ribanceira; provavelmente já não enxerga a contento.
Desde anteontem o lamento cessou, fato inquietante. Sendo remanescente indígena, Blanche crê ser Tibiriçá taumatúrgico, e não se outorga a omissão ao clamor de um ente quase imaterial. A total contragosto, Eric agiliza a ordenha das cabras e declina com ela rumo ao desfiladeiro.
Na trilha, repentinamente transpõe, estupefato, as ruínas do antigo cotiguaçu, um subsistente local isolado, onde eram enclausuradas as viúvas e crianças órfãs, à época indígena, pois traziam mal presságio, numa época de governantes divinizados.
Este cotiguaçu, pelas dimensões, comportava dezenas de mulheres e crianças. Numa espécie de controle de natalidade, as viúvas nunca mais se casavam. À borda, acima do abismo, há resquícios de roçado, horta, pomar e contenção de animais. 
As cunhãzinhas órfãs, florzinhas campestres ainda em botão delicado, ali perseveravam até lhes serem designados noivos, pelo autocrata Pajé da tribo, `a aguardada puberdade.
Os desgraçados garotos órfãos, aos nove anos, eram retirados para a urticante lida tribal, permanecendo agregados (servos) `as diferenciadas cavernas da elite político-religiosa. 
A monumentalidade da ruína aquilata o olhar. Um avarandado frontal subsiste parcialmente, ornamentado por tabatinga entalhada sobre taipa, aderindo as quatro lapas: lavor feminino meticuloso e estético.
Erigido para manter-se inexpugnável aos entes masculinos, recebeu uma farta muralha em pedras, que resistiu `as intempéries. Sua alma prodigiosa ainda pulsa com vigor, ecoando no escarpado. 
Seguindo a picada fina talhada por animais silvestres, Blanche conserva-se bem à frente (o cotiguaçu é banal para ela), ansia encontrar celeremente pistas do índio eremítico.
Após a curvinha fechada, a leste, avista um grupo de medonhos camirangas. Seu pressentimento indígena concretiza-se: Tibiriçá pereceu. Exora por Eric veementemente!
O escarnecido corpo seco encontra-se dilacerado entre as pedras do despenhadeiro...agora seu sepulcro. Após uma introspectiva prece à longitude, ela e Eric retornam mofinos, arrastando um vazio  tão pesado.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Desativado

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.