30.3.13

Mamonal

Dormi na roça, revi os primos roceiros, curti as aves, gado, porcos, cães e gata, muitos passarinhos.
Subi à serra na quinta-feira à noite e voltei ontem à tardinha. O suficiente para me renovar.
Os sons rurais noturnos, são para quem está acostumado: vaca berrando, sapo coaxando, galo cantando, pássaros com pios estranhos, cães latindo atrás de algo. Flauta para meus ouvidos treinados.
Às cinco da manhã estava tão frio e escuro, que ficamos mais um pouco na "cama", a relva estava lavada de orvalho, mas não havia neblina.
Nosso quartinho fica fora, onde era a queijeira, tão pequeno que só tem uma cama de solteiro, eu durmo no chão, feliz da vida.
Resolvemos tomar café antes de caminhar: o "Par" fez seu habitual café preto, enquanto eu fritei pastéis de vento. Colhi goiabas e acrescentei pão 12 grãos e requeijão. O leite sai mais tarde, primo não tem pressa.
Abri todo o casarão e subimos pela estradinha repleta de pássaros, dos mais variados. Lá em cima, colhi abacates (do primo Chico, que coloquei na mochila).
Mais adiante, um milharal com abóboras: Uma  delas, na beirinha da estrada, assoviou para mim! Então eu a trouxe para o almoço (não sei de qual primo é - desculpa aí, primo).
Fiz arroz branco, couve refogada da horta do Luís, a abobrinha fiz "batitinha" à moda caipira, omeletes com bastante cheiro verde e suco de limão com mexerica.
Lá na roça, não se come nada morto desta data. Então gritei o Esposo que estava jogando (conversa fora) na vendinha. Sentamos na varanda da frente e almoçamos, apreciando a vista em 120º de esplendor (ele comeu na panelinha). 
Após a "sesta" dele, fomos para o pedregal e ficamos à sombra de uma árvore, integrados: ouvindo o regato a se escorregar, participando da conversação dos pássaros. 
Trouxe bananas, goiabas, nêsperas, limões, mexericas, maracujás, abacates, cheiro verde, pimentas, ervas, queijo (único produto pago). 

Decoração rural: santinhos, flores plásticas, crochê, móveis antigos virados de canto.

A nona Narcisa (bisa), veio do norte da Itália aos 12 anos. Ficou dois meses no navio com o Nono e não se conheceram. Se enamoraram por estas serras, num moinho de fubá. Cá chegaram a cerca de 100 anos. Ela morreu aos 94 anos.
O patriarca nono Daniel (esposo da bisa): veio de Sassari, na Sardenha - ilha italiana. Morreu com pouco mais de 60 anos, quando minha mãe nasceu. 

A mala para viajar à Aparecida do Norte (visitar a Santa). Todo ano, após a colheita do café, um ônibus pegava todo o pessoal para o único passeio costumeiro. Patrões e empregados eram quase como parentes, pois o café era de "meia" - trabalhava-se por conta própria.

O forro do casarão, e os retratos na parede. A avó quer que passemos óleo de peroba em todas as molduras.

O porta-chapeus e a cristaleira. A fresta da sala; este piso de assoalho é para pés descalços. A avó está brava porque não enceramos.
Ao pisar "martelado", faz um barulhão, tudo balança e range. E mesmo em passadas leves, ele range (delícia). 

O quarto da Avó com a colcha de retalhos. veja o acendedor da lâmpada dependurado sobre a cabeceira. 
O terreiro: pela esquerda, a vendinha do Luís, o paiol, o galinheiro e a casinha onde se matava e limpava porco, fazia-se sabão, torrava-se café. Belo horizonte oeste...
A varanda da frente (onde almocei) e os carros dos primos.
UMA PÁSCOA SERENA PARA TODOS VOCÊS!

28.3.13

Barracão

Finalmente, após duas semanas "janeirosas", as chuvas sumiram e os pedreiros avançaram o serviço. Amanheceu uma quinta-feira santa tomada por neblina, após a noite geladinha (para nossos padrões).
Hoje o dia está decididamente outonal: límpido, com ventinho frio, embora haja nuvens cândidas por todo o céu.
Irei dormir no sítio! Só eu e o "Par", pois o tio (mais animado) está se recuperando de uma cirurgia e os parentes de Americana não vieram.
Não tenho coragem de, sozinha, levar a avó de 90 anos. Se ela souber que fui, ficará brava, afinal é a dona da casa, mas é muita responsabilidade, ela é "serelepe".

Agora, veja como meu barracão (aqui do outro lado da rua) já está alto: as primeiras fotos, tirei na semana passada, e a última tirei agora. E não é que a valente quaresmeira sobrevive à obra?
Há uma garagem atrás da caçamba, com corredor. Pertencerá à casinha lá nos fundos (que eu já tinha e senti pena em desmanchar - é boa, com dois quartos).
Sobre a garagem, será o escritório do barracão. As duas janelinhas são dos sanitários, um deles, adaptado para deficientes. 
A estrutura metálica já está pronta, aguardando o respaldo dos pedreiros. 

Dá para ver (pela frestinha) que ele tem uma grande porta voltada aos fundos. É fundamental para arejar e fazer a utilização de parte do quintal.
Depois de proto, vamos pensar no que fazer com ele e a casinha. Talvez alugar.

27.3.13

Alfabetizar com a Sensibilização Cromática

As criancinhas chegam ao primeiro ano, por vezes pré-silábicas: para escrever "gato" usam BHSTESV,  por exemplo. Muitas letras são de seu próprio nome.
Rapidinho conseguimos levantá-las para a fase silábica, com a ajuda do alfabeto e de palminhas para as sílabas ( "ga-to: A-O"). É a fase em que elas têm valor sonoro mais centrado nas vogais (ou ainda não têm o valor sonoro, usando duas letras aleatórias).
Atingindo o valor vogal, entra-se fortemente com a Sensibilização Cromática. Para tal, necessitamos que o alfabeto exposto na sala seja cromático: o nosso tem a cor vermelha para as cinco vogais, e as consoantes são azuis (sendo elas cores primárias): A B C D E F G H I J K L M N O P Q R S T U V X W Y Z .
Eu fico doida, fazendo trocas de gizes com as professoras de quarto e quinto anos: Forneço quaisquer outras cores, e elas me trocam por azuis e vermelhos.
Feito o estoque dos gizes cromáticos, passo a escrever palavras-chave, próprias para a reflexão sobre o sistema de escrita (alfabético), cromaticamente.
Coloco todas as vogais em vermelho, leio com eles: A O (gato) e pergunto se podemos escrever assim, somente com elas. 
Peço aos silábico-alfabéticos (aqueles quase alfabetizados), para não se pronunciarem. Levo à lousa, dois alunos centrados fortemente nas vogais e vou questionando-os, reforçando os fonemas (pronunciando de forma exacerbada), fazendo os articulemas  e demonstrando o alfabeto exposto.
Os articulemas do R e par CKQ/ G são guturais (na garganta); então coloco as costas de seus dedinhos em minha própria garganta e faço:  RRRRRRRRRR (de Rato), GGG (de Gato), CCCKQ (de Cão).
Os articulemas M e N são na narina: tapa-se uma das narinas, fecha-se a boca para dizer MMM e abre-se a boca para articular NNN.
Os pares F/V, J/X, S/Z, articula-se assoprando o dedinho para sentir a saída do ar.
É fundamental levá-los ao conflito pedagógico, para que se desequilibrem e haja posterior aprendizagem. Enquanto eles estão confortáveis e confiantes nas vogais, as consoantes serão simplesmente ignoradas.
Somente agora peço ajuda dos mais avançados e completo a Sensibilização Cromática:     G A  T O, lendo bastante com eles, cada sílaba separadamente.
Com todas essas técnicas, eles avançam rapidinho, mesmo em grupos de vinte, como os meus, e com excesso dos outros conteúdos (trabalhamos em média 9 conteúdos diferentes por dia, 45 por semana - todas as disciplinas e Ensino Religioso).
Apoio-me na "Coleção Gato e Rato" da Mary França, para criar sequências  reflexivas como:
R  A  T O
P  A  T O
G A  T O
A  L O  
A Sensibilização cromática não é divulgada como a famosa correspondência grafofonêmica (letra-som), mas auxilia muito, pela visualização. Trata-se de mais um canal sensorial rumo à aprendizagem.

Deleitança

Fonte da imagem: www.poesiaspoemaseversos.com.br
Porquinho-da-Índia

Quando eu tinha seis anos
Ganhei um porquinho-da-índia.
Que dor de coração me dava
Porque o bichinho só queria estar debaixo do fogão!
Levava ele prá sala
Pra os lugares mais bonitos, mais limpinhos.
Ele não gostava: Queria era estar debaixo do fogão.
Não fazia caso nenhum das minhas ternurinhas...
- O meu porquinho-da-índia foi minha primeira namorada.


Manuel  Bandeira.

26.3.13

Caminhando

Imagem: http://criaturasbr.blogspot.com.br/2013/01/mitos-da-lua-cheia.html
Após o expediente, subi à casa, fiz uma sopa com legumes que cozi; lentilhas liquidificadas e coxas de frango que estavam prontos e descongelando desde o almoço, e apenas acrescentei.
Estamos numa atípica quinzena chuvosa e fresquinha. Atrapalha um pouco a construção de meu barracão ao outro lado da rua.
Enquanto esfriava a sopa, fiz a caminhada noturna costumeira. Adoro sair ao escurecer: vou captando a essência da cidade, estando meio invisível.
A elegante lua cheia estava despontando a leste, embrulhada num branco véu de nuvenzinhas esparsas, e sentia-se uma  finíssima (capilar) garoa intermitente.
Faço o mesmo itinerário nas noites de semana e observo diversos personagens: aquele velhinho acamado que se enxerga pela calçada, o pé de carambola perfumando o quarteirão, o pessoal nos bares e padaria.
Uma mulata bonita e novinha que está sempre à calçada, hoje discutia com um rapaz:
_ Não vou aceitar esta merreca, Rafael, não mesmo!
Ele respondia algo imperceptível, e ela replicava:
_ Agora é tudo no juiz, você nunca deu um pacote de fraldas ou um vidro de remédios para o menino!
Tudo dito em bom som, numa fala bem coloquial, entremeada com termos de baixo calão.
Ele respondia imperceptivelmente, e eu passando em meio à discussão.
Segui imaginando aquela mocinha, aquele garoto e o bebê eternamente ao meio dos dois. Será meu aluninho daqui a seis anos?
Ela tem ou terá uma fonte de renda? Ele tem os pais a respaldar esta futura pensão alimentícia? 
O cantinho em que ela mora é humilde e em área de enchente do Córrego do Bananal. Possivelmente ele vive nas adjacências...
Nunca mais passarei por lá indiferentemente, e no futuro provavelmente verei o tal bebê, fruto da peleja.

20.3.13

Algo sobre mim


Recebi carinhosamente o selinho da amiga Joana, do blog Boneca de Neve, para blogs com menos de 200 seguidores. Estou atrasadíssima com as respostas, mas me programei e hoje consegui (nem trouxe cadernos para corrigir).
Agradeço a ela por lembrar do meu bloguinho! Então vamos às perguntas e respostas:

1 - Qual e sua canção preferida?
No momento, amo cantigas infantis.

2 - Um sonho por realizar...
Talvez um dia vir a ter netos (com este mundo complicado até dá medo).

3 - Você é otimista ou pessimista?
Muito realista, muito pragmática.

4 - Filme preferido:
Amo documentários, todos. Sei que retratam apenas uma facção da realidade, mas mesmo assim sou doida por eles.

5 - Que qualidades você valoriza mais nas outras pessoas?
Empenho, capricho (que necessito melhorar em mim), ter controle financeiro, devolver o que emprestam (dar uma devolutiva sobre tudo - eu estava com dor na consciência sobre a Joana - pelo atraso).

6 - Que qualidade você admira mais em si mesma?
A determinação: pela dura vida roceira que tive, forjei-me em aço.

7 - Cafe ou Chá?
Decididamente chá. No momento, degusto um chazinho de alfavaca. Servidos?

8 - Uma memória de infância:
A vida solta na zona rural: desprovida, porém despreocupada. Vivíamos num mundinho à parte.

9 - Em que altura do dia você e mais produtiva?
Com toda certeza, de manhã. Acordo levíssima e feliz, às cinco da madrugada, para deixar o almoço preparado, louça lavada, lanche para esposo e filho tomarem café no trabalho.

10 - Você ganhou 10.000 euros/dólares! O que compraria com esse dinheiro?
Traduzirei para minha moeda: R$ 50.000,00.
Então juntaria com um pouco que sempre deixo guardado e compraria uma casinha para alugar (financiando uma parte), para pagar a "casa de repouso" no futuro. 

11 - Ídolos da adolescência:
Mal tive adolescência, que dirá ídolos! Meu tempo era tão escasso: trabalhar dez horas diárias desde os treze anos, estudar à noite e faxinar para a mãe aos sábados. Nada de ídolos.

Para quem gosta de falar um pouquinho de si, eu ficaria feliz se participassem. É só copiar e colar.

15.3.13

A paineira

Havia uma fileira delas no caminho à escolinha rural, todavia a "nossa" era aquela mais idosa, com muito tronco e poucas folhas, que se encontrava pedregosamente no barranquinho, ali no terreiro da escola.
Nesta época do ano, o atapetado rosa nos levava por mais de 500 metros. Nós permanecíamos ali, e ele ainda seguia em frente, até o término da casa da Tchana.
Lá do alto, quando descíamos a falda íngreme onde habitávamos, apreciávamos as rosadas moitonas das exuberantes paineiras em flor. Tudo estava bem, era a vida em êxtase.
Mas a nossa paineira não, essa mal florescia, raquítica, anêmica, talvez asmática pela baixa intensidade de folhinhas.
Aquelas flores suculentas, carnudas, cheias de personalidade, que fossem pouquíssimas, porém de cor rosa mais intenso. Era nossa paixão a paineira. 
Os garotos, durante o recreio, atravessavam o regato sombreado pela pequena capoeira para catar cipó. Circulavam de uma margem à outra, campeando com um majestoso canivete, sem molhar os pés, pulando dentre as tantas pedras soltas.
As cristalinas águas, que nasciam ali na serra, provavelmente eram minerais devido ao complexo alcalino de Poços de Caldas (vulcânico).
Então os meninos, após o ritual de se deitar, lavar a cara e beber, sorvendo diretamente com a boca n'água, voltavam com cipó o suficiente para "pular cipó" e fazer o balanço na mãezona paineira.
Sinto perfeitamente o vento me lambendo, sinto os pezinhos descalços roçando o gramado alto desta época do ano, em cada vai e vem, galeando no balanço de cipó.
É claro que logo eles se ressecavam, e num galeio mais voluptuoso, éramos lançados para longe. Ninguém reclamava, sequer chorava; avisar um adulto? Proibido! Os ossos do ofício somente nos levavam a outra e mais outra balançada cooperativa na saudosa e querida.

Esta excêntrica paineira, lá atrás, fotografei no "Caminho da fé" (carnaval 2013).


Ponte da Ferrovia vista da rodovia Águas da Prata - Poços de Caldas
fonte da imagem: www.panoramio.com/photo
A escolinha abandonada, fica logo abaixo deste local, veja o viaduto da ferrovia. Esta vista, é de quem sobe pela rodovia. Mais alguns quilômetros e temos o marco divisório entre São Paulo e Minas Gerais, aproximando-se da magnífica "Poços de Caldas".