27.4.14

Criança desafiadora

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Já comentei aqui, que para um professor, um dos casos de inclusão educacional mais complicados é o T.D.O.: são aquelas crianças consideradas más (de má índole) no senso comum. 
Elas são famosas em qualquer escola onde estejam, e eram constantemente expulsas quando a lei permitia. Até pouco tempo nem eram consideradas casos de inclusão e não se sabia que o problema está em seus cérebros.
Tais crianças atormentam sobremaneira os colegas, professores, batem no diretor, agridem animaizinhos, gostam de acidentes trágicos, filmes violentos, incitam  maus comportamentos nos colegas mais levados.
O maior problema em lidar com elas, é que elas conseguem arrancar da gente aquilo que há de pior escondido no nosso subconsciente animal (o id freudiano). Dá vontade de avançar sobre uma criança assim, na hora da raiva. Sorte termos superego, senão estaríamos na cadeia!
Neste ano estou no sétimo céu, pois não os tenho, todavia na sala ao lado há um caso gravíssimo, que respinga em meus alunos. Um belo garotão de seis anos, que não para na sala; tem uma babá estagiária o tempo todo; atira pedrinhas na janela de minha sala; abre minha porta de supetão e grita com meus alunos; bate na carinha deles no recreio.
Nesta semana, uma servente da Escola veio me perguntar porque a minha bela garotinha com nanismo estava usando o sanitário comum, visto que ela tem sua privadinha pequetita, devido às perninhas curtas.
Ao questionar, soube que a colega foi ao banheiro e o tal menino estava lá, no sanitário feminino, sentado sobre a sanita pequenina, fazendo o número 2. Deixou o vaso imundo e saiu gargalhando.
Minha aluninha soube pela amiga e não voltou lá, passando a usar o sanitário da frente, sob risco de cair devido à altura. São diversos destes comportamentos cotidianos (e não esporádicos) que caracterizam o T.D.O.
Se a criança não for devidamente tratada e medicada e o transtorno aumentar, na adolescência o nome muda para "Transtorno de Conduta" (adolescente infrator), e aos 18 anos novamente o nome muda para "Personalidade antissocial" (bandido mesmo).  
Não há garantias que medicando, tudo melhore. O tratamento é longo, tortuoso e nem sempre eficaz, envolvendo condutas familiares, tratamento psicológico e pedopsiquiatra especializado.
Onde eu quero chegar? Ao fato de que aos seis aninhos, professores e outros profissionais já podem identificar futuros  bandidos? Ao fato de que todo caso gravíssimo é um potencial criminoso?
Não é bem assim, e nem podemos estigmatizar uma criança tão novinha, todavia temos sim muita responsabilidade se um dia, essa criança que passou por nós, assassinar alguém friamente. Munidos de informações, temos que buscar ajuda técnica e orientar a família (sem traumatizá-la).
Cerca de 70% ou mais dos garotos infratores da "Fundação Casa" são portadores de T.D.O. evoluído. Se tivessem recebido tratamento de ponta aos seis anos, teríamos uma sociedade muito menos violenta. Não quero dizer que todo T.D.O. grave será adolescente infrator.
E este tal tratamento de ponta? Bem, ainda estamos longe de obtê-lo. Envolve, como já dito, atendimento multiprofissional, fármacos, mudança de postura familiar. Mesmo assim, nem sempre os resultados são favoráveis.
Não é pavoroso olhar para uma linda criancinha e saber da possibilidade de um dia ser vítima de sua própria criminalidade, e não poder fazer um milagre para reverter o quadro?
Não é inovador saber que há cérebros predispostos à criminalidade, com comportamentos manifestos já aos seis aninhos?  Será que no futuro reverteremos o quadro, ainda na infância? 
Será que aquele bandido que te assaltou foi uma criancinha T.D.O. não identificada ou ignorada? Seria Champinha um deficiente intelectual comórbido com T.D.O.? Ou não...

25.4.14

Oculista

Cinquentão chegando... vista se embaçando, embaralhando... caderneta de chamada dos alunos ficando estranha e eu protelando, procrastinando. 
A vários alguns anos, fiz um "exame minucioso" com o dono da ótica, e ele me prescreveu fez um par de óculos para perto.
Aqui no interior era hábito corrente este absurdo, de se consultar com o dono da ótica, apenas um prático/técnico. Esse par de óculos véinho me quebrou o galho capengamente até agora, para decifrar as letrinhas miúdas.
Bula de remédio, rótulos, número de CPF nos cheques, que eu cadastro aqui na oficina e outras letrinhas absurdamente pequenas, estavam sendo desvendadas por lupas (uma em casa, outra aqui na oficina e a terceira na Escola). Pode? 
Após meses no aguardo, chegou enfim o dia de desembolsar R$200,00, feliz da vida - meu planinho de saúde não cobre oftalmo, mas custa barato, porém não cobre oftalmo.
Este profissional era mocinho quando lá fui pela primeira vez. Sim, já fui várias vezes ali, como acompanhante apenas. O Par é seu paciente assíduo a mais de 30 anos, pois usa óculos desde bebê os 10 anos, quando sua miopia já era gordona.
O Par é também daltônico, condição peculiar, onde as cores  secundárias e principalmente terciárias não são vistas como nós as vemos. Um verde musgo, para ele é cinza... Ih! Ele detesta tocar no assunto cor.
No início do ano, quando elogiei as maravilhosas paineiras, todas rosas, ele disse que eram iguais aos cabelos de velhinhas. Nunca vi velhinha de cabelo rosa... então me lembrei daquele tom cinza que elas pintam. Para ele, aquilo tem a mesma cor das flores de paineira (ele não vê necessariamente rosa, sei lá).
Agora cá estou com a receita, e amanhã cedinho levarei para a ótica fazer um multifocal, pois já preciso para longe também, visto que logo renovarei a carteira de motorista. Tudo dentro do esperado para a meia idade avançada.
Imagine se eu tiver que pilotar a moto de óculos e mais a viseira do capacete por cima? Não! Isso não... Só depois dos 80.
De resto, não há nada grave. Apesar do olho esquerdo tremular a mais de ano, não é problema, como eu já havia pesquisado na Net.
Quanto a me acostumar "cos ocrin" estranhos, multifocais, será outra fábula, que contarei oportunamente.
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23.4.14

Eu emagreci! E ai?

Não é porque a gente emagrece que a vida revolteia, como dizem os primos roceiros. Não ganhamos na loteria, não mudamos pr'um emprego infinitamente melhor, não ficamos mais bonitas literalmente, não perdemos as rugas - só ganhamos mais algumas (e por vezes até pelancas).
Tudo fica quase na mesma, exceto aquela sacola de roupas de liquidação boas que estavam inabilitadas; as compras do mercado, que de expostas, passam a estar escondidinhas num canto da geladeira, para não gerar ojeriza nos momentos de recaída.
Os amigos rapidamente se acostumam e não mais elogiam, nem se assustam com os lanches gororobas que passamos a "degustar" exibidamente na frente deles.
A família considera que não fizemos mais que a obrigação de criar vergonha na cara de nos preocuparmos com a saúde (prá não sobrar o "fardo" para eles).
E nós, babacas, ficamos lá circulando do espelho para a balança (e vice-versa), vangloriando a façanha, que afinal nem foi tão grande assim: exterminar 8 kg de prazeres masoquistas ao longo de uns anos impróprios (após os perigosos 42), 8 kg de pura distração alimentar, 8 kg de acúmulo na consciência, 8 kg de toucinho mesmo!
E para manter o status quo, outra batalha naval: continuar correndo, agora nesta escuridão desértica das 18 h 00. Driblar o friozinho com sopas preferencialmente leves, sobrando na boca aquela vontade de mastigar, mastigar...
Ralhar em silêncio com o vizinho que faz churrasco todo santo sábado, gritando para salvarem a gordurinha na borda da picanha, mandando a turma atacar a maionese e sobremesa!
E ovo de páscoa? Pode ser de espinafre? Suco verde é bem "mais bão" que coca-cola, basta manter o pensamento positivo, mentalizando a meta.
Batata frita? Credo! Isso mata... que inveja de quem não possui juízo nem brio. Três pãezinhos franceses crocantes com mortadela fatiada fininha? Nem por decreto-lei da Dilma.
As palavras que passam a fazer parte do dicionário técnico são: "oleaginosas, calorias, termogênico, saudável, correr, suco verde, hortifruti, água, mel, quantidade/qualidade, mascavo, granola, ervas, balança,  capsaicina, demerara, espelho, cottage, agave". 
Ah, vou contar! E ainda fica aquela pulga atrás da orelha pelo medo de intoxicação verde; de esporão e peito/bunda caída devido à corrida; da falta de caderneta de poupança na pança pro caso duma doencinha que requeira proventos gordurosos do paciente (diarreia). 
E minha avó, com 91 anos, ainda diz:
_ Você estava gorda, tão bonita! Precisa comer mais.

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Este post é para você que me acha uma metida poderosa em tripudiar as ainda não tão determinadas; que sente birra admiração por minha garra luta feroz; que até tentou, mas ainda não deu...
Olha, apesar dos pesares, continue firme e estabeleça metas leves, principalmente no inverno. Vale muito a pena, não pelos outros, contudo por nós mesmos, pela nossa carinha de bobona ao exorcizar 1 kg de adiposidade que seja! Se até eu consegui, você também conseguirá.

22.4.14

Deixar de molho

Ao escrever um texto literário, assim como todo mundo, faço o alicerce cru e seco e deixo descansando até as ideias se dispersarem e surgirem outras complementares. 
Ao retomar o trabalho duas ou três vezes, vou aprimorando cá e acolá, vou encorpando e dando o acabamento, mudando muita coisa que ficou esteticamente horrível.
O correto é manter em rascunho, quietinho, e publicar apenas o produto final caprichado, todavia sou do contra e crio versões melhoradas no dia seguinte à publicação.
Fato é que publiquei o último antes do feriadão e subi prá serra, sem internet. Enquanto os dias passaram, fui ficando agoniada com as marcações em papel, sem a possibilidade de lapidar o esqueleto.
Sendo aquele texto inspirado em fato real, e estando em loco, colhendo mais detalhes, a ansiedade cresceu. Hoje, extrapolei meu horário de almoço (e deixei o Par de cara feia) para chegar a um aperfeiçoamento aceitável no texto "Cabeça de leitoa".
Então, para quem leu apenas a versão preliminar, agora há o acesso ao texto final (até segunda ordem), tendo a possibilidade de observar as benfeitorias naquele esboço tosco e desengonçado.
Eu gosto de melhorar qualquer tipo de postagem ou textos relacionados a meus empregos, todavia esbarro na absoluta falta de tempo para me debruçar devidamente e encontrar a alma do texto.
Com as minhas crianças de seis anos, a Coordenadora nos orientou a intensificar um trabalho de edição dos desenhos, valorizando com elas a possibilidade de  voltar ao trabalho e depurá-lo. Tal técnica pedagógica tem o intento de desenvolver nelas justamente o gosto por melhorar sempre as versões, chegando ao texto escrito com este hábito já arraigado. 
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17.4.14

Blanche LI: Cabeça de leitoa

Em Riolama, a sineta da capela lecionada por Karly, de súbito ressoa com reboladeiros repiques. É tardinha de sexta-feira, já com a boca da noite desapressada a domar o mundo.
Nick, coadjuvando Blanche na montanha dos caprinos, transfigura-se em atônito sobressalto. Retira do fogo um tição alaranjado e vai chupando devagarinho a palha. A cusparada no terreiro escarra também sinistros pensamentos. Não  desfita a Vila, enlevado pelo rebate afligido: "Blém, blém, morreu alguém / Blém, blém, morreu alguém"...
Um de seus rúpteis enfermos teria cruzado inapelavelmente o trespasse? Qual deles, ou nenhum? Será decesso súbito, qual escanzelada garotinha picada por cobra encastoada, na recolecção de ovos duma moita erma?
A gélida noite já na achegança volteando em luta com o crepúsculo, céu de vidro apinhando-se em brilho e a dupla arremata o almojantar introspectivamente, todavia especulando sequiosa sobre o suposto sucumbido. Tom, habitado por alargada brandura, quiçá assoprará a notícia sobre o funeral, no broto da manhãzinha. 
Sendo Nick quase psicagogo, sai em campeação aos combalidos com Reverendo Albert, outorgando cada enfermidade e apontando possíveis tratos com ervas medicinais, para adoçar um destino rumo ao mistério, unidirecional e irreversível.
E sucedeu-se: o arriar do negrume revela Tom, assim quase jogado, despontando pela trilha tortuosa, deixando evaporar um rastro de poeira. Quando o tropel já se faz sentir, Nick, brigando com seus eus, aligeira-se até a porteira em arquejo inexprimível.
Quem sucumbiu foi Gerrah, uma enigmática anciã sua abroquelada, supostamente com 104 anos. Supõe-se, pois não portava documentos, contudo deu entrada à antiga capela aos possíveis 16 anos, bem mulher e de coração quente, quando casou-se, após fuga, com um frondoso índio desgarrado.
Foi um dos primeiros conjúgios de Riolama, a exatos 88 anos, tendo o avô de Nick por pastor provisório... a família angariou gleba de terras sem franquia de confiança, quando os silvícolas ainda eram consternadamente retirados, encolhidinhos de silêncio. 
O simplezinho e árido torrão, num vazio escandecido, é o mais próximo da cidade de Corda Bamba, enrodilhado na curva fechada do leito carroçável. Desde então, Gerrah vive em presença pura na caverna indígena, de janelas cegas.
O casamento? Não vingou. Na noite de núpcias, de frio cortantezinho, acomodados numa gruta bem acima, onde o pai da noiva fez questão de demarcar território, algo desandou.
Gerrah retorna com expressão de nunca mais, soqueando a noite fechada com seu pouco peso, espalmando a porta da caverna nuns gritinhos assim de dó. Quando a irmã mais velha abre, a pega ensanguentada pelos espinhos da capoeira, apavorada no grosso escurão da noite.
No seguido, acomodada à maciez de sua antiga esteira, passa o restante da noite enganchada à irmã (madrinha), nuns finos fôlegos tiradinhos qual água de poço.
Ao alvorecer, com plácidos ânimos, a Dinda, nos jeitos repletos de brio, lhe indaga em bonança. Na resposta, a determinada nubente farfalha chuviscando voz alastrada:
_Creioendospadre, Madrinha, num é que aquilo se parecia com uma cabeça de leitoa?
Dinda, já casada e vivendo nos comuns, com perspicaz sapiência, sentiu por bem colocarem uma indigerível pedra por sobre o escrupuloso assunto.
O índio escalavrado, após dias amassado em pouco caso, todo ele deixa a caverna e segue com um grupo rumo à reserva. O miolo da manhã deslizava manso a enobrecer-lhe o ânimo.
Com o escorregadio do tempo, o pai viúvo finda-se, deixando de rebotalho na gleba o casal Dinda e Peo, mais as três invulgares solteironas: Gerrah, Cecil e Hit.
Um a um, em desmande do destino aos baques vibrantes, foram fechando a noite dentro de si, e enterrados na volta do jatobazeiro, que sombras, almas  e frutos esparrama intermitantemente no terreiro pedregoso.
A Dinda, tal qual a mãe precocemente finada, foi exímia benzedeira, atributo delegado a Gerrah em ritualística profecia no leito de morte, rindo desusada risadona profunda e grave.
A técnica benzística consistia em pronunciar expressões mesmeiras perante o enfermo, que iam sendo ecoadas a cada machadada, desferida implacável e intercaladamente nos lados do portal de entrada da lapa.
Era especialidade da Dinda imiscuir-se com cobreiros, feridas persistentes e outras afecções de pele. Muito útil numa região colonizada por europeus tão pálidos e de olhos desbotados, debaixo daquele arreganhado sol calcinante.
De pele amulatada, uns beicinhos murchos escorregando boca afora, Gerrah era conhecida "a Nega da porteira"; ali era evocada em necessidade de benzeção, tendo por paga  constrangidas prendinhas roceiras. 
Nenhum cérebro primitivo se atrevia a cruzar uma frestinha da porteira sem permissão, tamanha a parafernalha munificente dependurada por aqueles paus retorcidos, quase a ralhar sinistramente com o chegado.
Nick, lambendo o suor em pontinha de língua, segue ao funeral cortando a montanha rumo a sudeste, por compungidas trilhas de bichos silvestres. Toda o Vilarejo (os patriarcas) se faz presente quando o Reverendo encomenda a alma cansada, iniciando com um "pelo sinal".
Uma ensimesmada exigência, tentando brecar a Terra em sua falta: que tudo lhe fosse branco... a mortalha (angariada de antemão), escassas florzinhas campestres, a túnica bordada de mansinho por ela mesma, anos a fio.

Alforria

Como é difícil libertar certos livros! E sobretudo sendo professora... todavia há que se fazer esforço.
Tenho uma pequena coleção da época do ensino médio que guardo a sete (setenta) chaves; mesmo assim, emprestei cá e acolá, e não devolveram.
Tive uma ideia! Vou emprestar. Assim, não sofrerei tanto... se a pessoa devolver, será lucro. 
Estou levando três exemplares para alforriar na venda do Primo: uma coletânea de crônicas e dois romances, contudo esses não estão entre meus preferidos. Boazinha, né? Coisa feia!
Uma amiga me fornecerá exemplares com temáticas rurais e interioranas, pois são temas que os agrada mais lá na roça.
Confesso que alguns títulos apenas poderei alforriar quando os tiver em e-book. Na verdade, amo os e-books tanto quanto os livros de papel. Necessito de um Kindle urgentemente...
Estou com uma "Mantiqueira" de livros aguardando leitura, mas quando? Será que demorará muito para que os dias passem a ter 25 horas? Pobres dinossauros, à época deles, eram apenas 22 horas a cada dia, todavia não tinham tantos livros interessantes para ler.
A iniciativa é da Luma!  Confira.

16.4.14

Manga longa.

Sim, hoje foi o primeiro dia em que fiquei boa parte do tempo com uma manguinha longa fina. A temperatura girou em torno de 17, 20 graus e há previsão que assim continue pela próxima quinzena.
Já foi o bastante para fazer um sopão, sonhar com TV (coisa raríssima), pipoca e cobertor, e voltar a usar a torneira elétrica. 
Também já aposentei as regatas e bermudas (exceto para corrida), engraxei as botas e inspecionei as meias. Ah, não vivo sem as meias! 
Nestes dias choveu bastante, principalmente segunda-feira e hoje. Minha aluna fofa lembrou-se que trabalhamos na semana da água, o nível do rio "Jaguari-mirim". Chegou-se a mim e suspirou:
_ Nossa, Tia Cri, sorte que tem chovido bem... eu estava tão preocupada com a baixa do nosso Rio...
Fiz-lhe um  afago e mergulhei em reflexões.
Uma garotinha de seis anos preocupada com a questão da água. Como são inteligentes!
E aguardemos o inferno inverno (desculpem a troca no parzinho surdo/sonoro F/V).
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13.4.14

Preparos

Os pratos que preparo com as plantas naturais vão desde sopas, até tortas, como demonstrei no post "Comes".
Com a trapoeraba, à esquerda, fiz farofa. O talo, muito fibroso, dei ao galo. Com a beldroega, à direita, fiz salada.
Os ingredientes da farofa: trapoeraba, farinha de milho (gosto de colocar a farinha de mandioca também, mas na serra não tinha), alho e cebola, ovos, óleo e sal acima da média de refogado.
A farofa pronta, com cebolinha no toque final. Ficou ótima e saudável.
As delicadas flores azuis da trapoeraba e as frutas-bolinhas da beldroega.  
A beldroega para salada. Tem gosto de cacto, ou seja, quase não há sabor. É leve e merece cebola e limão, com gotas de pimenta comari (também catada) curtida só em vinagre. 
 Veja a florzinha rosa, delicadinha. O trevo azedinha espalhada ao meio, dá o toque de sabor mais forte.
Caruru colhido para consumo. O talo é tenro e rico, deve ser aproveitado ao máximo. Pronto para lavar e preparar.
 Picadinho para refogar.
 Sobre omelete.
 Ficou assim: bom! E todas receitas sem carne...
O caruru lança um pendão-flor, de onde saem inúmeras sementinhas pretas. Seus nutrientes se assemelham ao amaranto. Seu nome científico é Amaranthus lividus.
Serralha ainda não temos. Achei escassos pés cá e acola, aguardo que cresçam. É verdura de inverno, dando de maio a outubro. Gosta de aproveitar a ruação do café par proliferar: é quando se limpa a borda dos pés de café para a colheita.
Quanto ao suco verde, intercalo duas ervas, limão e tiquim de mamão com cascas / pedaço de casca de banana / casca de mandacaru ou manga congelada. Legume, só coloco um pedacinho de beterraba, tirando a fruta. Também gosto de ervas aromáticas / medicinais. Tomo o suco em jejum, (café da manhã) e não considero gostoso, porém bom para o organismo.

Recolecção

A recolha de produtos não plantados é uma opção para quem não pode manter horta convencional, devido à impossibilidade de rega regular.
Para tanto, recorro à minha memória infantil e coleto matinhos comestíveis, ricos em ferro, fibras e até ômega 3. São todos orgânicos e cheios de energia, devido à rusticidade.
Aqui, a última goiabeira carregada (retardatária). As outras mantinham escassas frutas cá e acolá. 
E os pássaros já atacando-as: à direita, fruta toda bicada.
Rendeu tudo isto, que mandei para a mãe. Ela faz compota, depois bate com água gelada e bebe como refresco.
Aqui, a beldroega miúda (que dá flores amarelas) abaixo, e esta planta que esqueci o nome, acima. Na serra chamam esta beldroega de ora-pro-nobis e salada de nego. Não é a ora-pro-nobis verdadeira, das igrejas de Minas.
Esta acima, não comi, pois falta confirmar com o "Tião Macumba", um preto velho muito sábio, ou com o Jairo, filho de uma autêntica cabocla. 
Trevo azedinha: ótima para salada, dá aquele toque especial azedinho. Há um pezinho de beldroega miúda à sua esquerda.
Amor-seco / picão-preto. Estou usando no suco verde - riquíssimo em nutrientes. Afinal, amores secos não existem apenas para agarrar-se em nossa roupa. É um mato considerado praga; uso apenas os brotos.
Trapoeraba: tem em qualquer jardim. É trepadeira, muito fibrosa e com flores azuis minúsculas e delicadas. Também colho apenas brotos, ela cresce para os lados, não sendo prejudicada com a recolecção. Apenas a flor serve para salada, ela deve ser consumida refogada e no suco verde.
Beldroega graúda. A miúda é rasteira, com folhinhas também gordas de um terço do tamanho desta. Esta é mais alta, com cerca de vinte a trinta centímetros, sem a haste das bolinhas.
Esta graúda tem florzinhas rosas minúsculas e frutinhos em forma de bola, feito "arvinha" de natal. Na roça, chamam-na de radite (embora radite sejam espécies de almeirão) ou breda. 
No suco verde, bato com flores, hastes e bolinhas. É importante acrescentar suco de meio limão a estes sucos verdes, assim como mamão com cascas. O gostinho de mato se ameniza. 
Evitar produtos lácteos nas refeições com beldroegas ajuda na absorção do cálcio. Consumir com moderação é sempre aconselhável, assim como qualquer outro alimento.
Este é o caruru (ou caruru), que citei no post anterior. Não perde nada ao brócolis. Aliás, acho melhor, pois as couves e afins me deixam "empachada" e esta verdura é mais leve. Seu talo grosso e suculento é um primor e o gostinho suave, brando como um sussurro.
O caruru tem um primo com espinhos. Este, não ingiro por não saber se é comestível. É só verificar se há espinhos. Este bordado arroxeadinho nas folhas é característico.
Na infância, colhi muito destas plantas para alimentar os porcos. Então, só coma se tiver certeza, pois há plantas tóxicas parecidas. 
 Nesta recolecção, de baixo para cima, há limões, amêndoas de macaúba, cebolinha, picão, beldroega, caruru e trapoeraba. Apenas a cebolinha foi plantada (pelo Primo).
Tudo isso era comida de escravo e caboclo, por isso o resgate se faz necessário.
A beldroega e o amor-seco são plantas emenagogas, boas nesta fase de climatério em que me encontro, todavia mulheres grávidas devem evitá-las.

Comes

Estou segurando meu peso em 64 kg até o final do inverno, para tanto é necessário manter o controle alimentar, contudo menos severo.
Nestas idas constantes à serra, fiz estoque de compota de goiabas, que necessito desovar. O bolo de fubá com a compota tem sido uma opção saudável e bem aceita aqui em casa.
O primeiro fiz em forma retangular, com meio pote (daqueles de sorvete) de compota. Por estar mal acondicionado, mesmo em geladeira, tive medo que azedasse, então usei no bolo.
Este é o segundo. 
As goiabas meia-lua ficam no fundo, devido ao peso. A massa deve conter pouco açúcar. 
Vai sendo devorado pouco a pouco. O fubá combina com goiaba.
Neste, usei este frasco com compota. Eu havia esterilizado em micro-ondas e estava ótimo, apesar de ser da primeira remessa.
Um pedacin procê com goiabas  caipiras, orgânicas!
Aqui, uma banana felipe. Há muitas frutas felipe (siamesas) lá na serra. Na infância, eu colecionava grãos felipe de café. Ainda acho estranho pessoas colocarem este  nome nos filhos.
Tenho trazido muitas frutas da serra. As jaboticabeiras estão floridas e as mexericas estão de-vez, assim como o pé de nêsperas.
Neste início de outono, com o fim de mandacarus, mangas e goiabas, temos anonas, caquis, limões (que duram vários meses) e abacates. Bananas, mamões e coquinhos, temos o ano todo.
Eu deixo um pouco na geladeira, verde, e vou abastecendo a fruteira conforme consumimos. Estes abacates, ao começar a amadurecer, vão arroxeando.
O abacate é fruta oleaginosa, o Par consome um pedaço todo dia, ao café da manhã, e eu consumo no lanche da tarde, com amêndoas de macaúba. É bom para saciar.
Aqui, fiz uma torta de frango e azeitonas, aproveitando as sobras.
Usei dois pedaços de polenta, um pouco de ovo pochê (tomate refogado com cebola e um ovo mexido) e caruru refogado: verdura (matinho) similar ao brócolis, que nasce sozinho. Tudo sobra de refeições.
Compus a torta com ingredientes normais: ovo, farinha, fermento, óleo. Enriqueci com frango desfiado e azeitonas pecadas. 
E também vai sumindo, sumindo.... olhe o verdinho do caruru.

Cuecada

O domingo foi intenso lá na serra: os cavaleiros da vigésima quarta "cuecada" fizeram parada na venda do primo. Foram três horas num chega e sai de cavalos e homens, todos manqueteando devido ao ardor da cela.
O evento reuniu mais de 100 cavaleiros, inclusive de outros estados. Havia fazendeiro da Bahia, de Mato Grosso... os cavalos magníficos (e vários caríssimos), eram tantos que faltou mourão na minha cerca para poder amarrá-los.
Há homens de toda classe social no grupo devidamente uniformizado, pois aqui no interior muitas pessoas urbanas mantém seus cavalos em haras. Este é um hobby caro.
Dois jipes de apoio, também muito bonitos, carregavam carretinhas repletas de tralhas, inclusive um freezer onde vendiam bebidas e água aos participantes.
Alguns senhores já idosos reclamavam por estarem a quase quatro horas montados, pois saíram cedo duma fazenda no município de Poços de Caldas, aqui perto, e vieram cortando estradinhas de chão batido.
A nomenclatura "cuecada" diz respeito ao fato de ser vetada a presença feminina, o que originou em contrapartida, a caravana de amazonas "sutianzada", que já mencionei aqui, e acontece no segundo semestre. 
O evento calhou com uma reunião da parentalha rural numa fazenda próxima, deixando o primo com apenas dois auxiliares para servir petiscos e bebidas àquela "homarada". Um fuzuê.
O almoço (tardio) ocorreu logo abaixo, na fazenda Morro Grande. Quando passamos por lá, na volta prá casa, a mesma estava coalhada de caminhões para gado, vãs, caminhonetes, carretas para cavalos e afins. Uma animação.
E assim se ficha mais um fim de semana campestre tão simplezinho.

1.4.14

Macaúba

Continuando minhas incursões pelas memórias infantis, tenho colhido muitas amêndoas: de macaúba, de coquinho jerivá e esse outro coco maiorzinho, do qual não me lembro o nome. Os primos chamam de cocão.
Todos os três tipos de amêndoas são deliciosas oleaginosas, que trago prá cidade e consumo durante toda a semana. Muitas amêndoas se partem ao quebrar, e não ficam fotogênicas...
As macaúbas inteiras: com cascas, polpas, castanhas e amêndoas. Uma delas foi chupada por animal silvestre, que devorou a polpa, tornando mais fácil o ato de quebrá-la para extrair a amêndoa.
 A polpa amarela: tem um sabor adorável, é leitosa e oleosa, enrosca no vão dos dentes. O seu sorvete é demais!
 As amêndoas, juntamente com amêndoas de coquinho jerivá, bem menorzinhas e de formato curvo.
 A amêndoa envolta na castanha dura feito pedra... prá quebrar, só com pedra e experiência.
A fruta sob o pé espinhento: se perde e ninguém liga prá ela. É preciso cuidado para coletar, devido a tanto espinho.
 Enchendo a sacola à beira da estrada, para quebrar no sítio.
 Aqui, castanhas de coquinho jerivá e de macaúbas, as amêndoas estão aí dentro.
Um dos locais de quebra da castanha: parece época indígena! Qual macacos a fazer um trabalho pré histórico... terapia aliada a antropologia.
Lava-se as amêndoas em peneirinha e deixa-se em geladeira.
Um dos tantos bichos que moram dentro das castanhas, comendo toda a amêndoa. Não consigo "degusta-los", mas são úteis em treinamento de quedas de aviões e outras técnicas de sobrevivência em selva.
Vale muito a pena fazer esta recolecção. Dos três tipos de amêndoas, apenas a macaúba tem espinhos, contudo rende mais. São oleaginosas alternativas, ricas e grátis, para uma semana de alimentação saudável.
Em praças na cidade há muitas palmeiras, é só colher os coquinhos e estourar as castanhas. Aqui na esquina está perdendo jerivás.
As amêndoas de macaúbas são as mais ressequidas e rústicas, as outras duas são mais tenras, todavia as três são saborosíssimas.
Na infância, comi nas casas caboclas, cocada de macaúba com rapadura: é só pilar, levar ao fogo com raspas de rapadura e degustar ainda quente, na colher. Pena que a produção era pouca, pois macetávamos e comíamos, em vez de armazenar para a cocada!
A paçoca com qualquer destas amêndoas também é delícia: basta pilar com farinha de mandioca ou de milho, uma pitada de sal e rapadura raspada... também a produção é sempre pouca.

Comer umbigo

Eu brinco muito com as crianças usando a expressão "Comer barriga", que é o mesmo que "marcar toca", "dar bobeira", "comer bronha", contudo comer umbigo nada a ver.
Eu falo de comer mesmo: é umbigo de bananeira, prato tradicional nestas bandas em antigas épocas de escassez. 
Principalmente na fase de escravidão, restos de carne suína eram acrescentados a esta "gororoba margosa" para render. 
Mais tarde entre o povo caboclo, também era uma mistura no prato típico arroz com feijão. A necessidade levava a este consumo, que virou tradição e virou cultura.
Me lembro de ter comido na infância, na casa duma coleguinha negra, Noêmia. Eram daqueles negros bem tradicionais, paupérrimos, de família numerosa. Lembro que não gostei muito, contudo era o que tinha...
Funcionava assim: a gente visitava as amiguinhas aos fins de semana ou nas férias, sempre após o almoço, que geralmente se servia às 10 h 00. Era falta de educação chegar na casa dos outros antes de almoçar.
Para o lanche da tarde, a criança mais velhinha juntava numa panela, os restos do almoço (arroz e feijão). Juntava o suco de um limão inteiro e os "matinhos" que arrecadava no terreiro. Comíamos todos ao chão, em volta da panela quente, uma colherada para cada criança.
Os adultos? Estavam todos na roça, nem desconfiavam da bagunça!  
Foi numa dessas brincadeiras de "comidinha" que experimentei o umbigo de bananeira, que se diz "imbigo" na zona rural. Sobrou do almoço porque não era bom.
Com essas idas à serra todo final de semana, estou resgatando receitas de infância, matando as saudades. A mãe não fazia, eu comia nas fazendas vizinhas, com as coleguinhas de escola.
Aproveitei um cacho de banana-prata que estava de-vez e retirei o umbigo. 
Trouxe já separadas individualmente, pois duram muito mais. Acondiciono em caixa para não amassar. A mãe e a avó ganharam seu quinhão.
Esta única banana madura me deu o sinal de que o cacho estava em ponto de ser colhido.
Em casa, retirei as pétalas velhas (roxas) e preparei demoradamente, pondo de molho na água e limão, aferventando três vezes em limão e bicarbonato de sódio para tirar o amargor causado pela nódoa, que na roça dizemos "nódea".
Fiz com carne moída e ficou bom, porém não rendeu. Tanto trabalho para pouco resultado.
O Fiotão gostou, pois parecia cebola roxa em grande quantidade junto à carne moída. Dizem que parece palmito, mas não é para tanto...
Não fotografei porque fiz ao jantar, e minha máquina "boa" só tem flash quando bem quer!
Na outra semana, peguei das bananas nanicas, mais baixas. Tirei de quatro cachos ainda em crescimento.
Nesta fase, sem pétalas velhas, já está ficando esbranquiçado e pronto para picar. São lindíssimos corações.
 O tempo de tirar a foto foi suficiente para começar a escurecer, devido ao excesso de nódoas.
Cortados em cruz, em água com limão e bicarbonato de sódio, por 15 minutos. Uma vasilha com água para mantê-los submersos.
Depois de tanto aferventar, gastando água e gás, preparei com bacalhau. Ficou pior que da outra vez, deixando um leve amargor ao final.
Para não perder, comi sozinha, e hoje coloquei numa torta de sardinhas com sobras. Ainda há um pouco congelado... só mesmo a torta para disfarçar.
Olha, não paga a pena pelo prato em si! Para quem comprar os limões e os umbigos (em locais tradicionais, custam 50 centavos cada), mais o gasto com água e gás, é preferível fazer berinjela com cebola roxa.
Vale pela tradição, pela saudade da infância, pelo prazer de recordar e pelo sabor exótico. Vale também pelo respeito à escassez, à escravidão, à dura vida cabocla.
O remanescente congelado, usarei num pão de sardinha, para não perder...